quinta-feira, outubro 25, 2007

Baixa gastronomia no Ilustrada...

A caderno de cultura do maior jornal do Brasil é um saco. Isso eu penso a um tempo, lendo vez por outra as capas do Ilustrada, da Folha de SP, que cheiram muito pouco a rua. Arte, arte e arte. De fazer careta. Não por acaso, o melhor do caderno definitivamente é a coluna social - isso mesmo! - da Mônica Bergamo. Entre um casamento e um jantar da high society, lê-se sempre alguma coisa interessante, como da vez em que a coluna toda foi uma reportagem em pequenos parágrafos (formato de reportagem curioso) sobre os trabalhadores das futuras linhas de metrô de São Paulo.

De qualquer forma. Hoje, li algo que, se não empolga pela profundida ou pelo texto, vale registro pela pauta e por onde saiu. No meio de um monte de referências musicais do vindouro Tim Festival, a "baixa gastronomia".

***

Fome de bola

Roteiro da baixa gastronomia em estádios destaca tropeiro do Mineirão e sanduíche de pernil de SP

LUCAS NEVES
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

É certo que o futebol, dentro das quatro linhas, é dado a metáforas culinárias, do frango engolido pelo arqueiro desavisado ao chocolate aplicado no adversário. Mas se, na arquibancada, bate a fome no torcedor, o que os estádios têm a oferecer? Na reta final do Campeonato Brasileiro, a Folha foi às arenas dos líderes apurar.

Nas barracas que margeiam o Mineirão (dividido pelo terceiro colocado, Cruzeiro, e pelo Atlético-MG), o protocolar churrasquinho não é páreo para a "pièce de résistance" do "cardápio", o tropeiro -que leva feijão com farinha de mandioca, arroz, bacon, lingüiça, pernil, torresmo, couve, ovo, salsa e cebolinha. Da Barraca da Jaq, saem de 80 a 100 porções por jogo. "Os atleticanos é que gastam. Cruzeirense é chorão!", atiça Jaqueline Ferraz.

Já dentro do estádio, a clientela fiel é a azul, segundo a cozinheira Neusa Madeira, que chega a cozinhar 40 kg de feijão por partida. "Cruzeirense compra mais. O atleticano nem olha para trás se o time perde."

O tropeiro faz sucesso também entre os visitantes. "Os corintianos comem muito. E os paranaenses falam que, se fosse para lá, ganharia muito dinheiro", diz Ivanir Ferreira, da barraca em frente ao portão 13.

Quem bate ponto ali é o vigilante Sérgio Fernandes, 28, que alfineta a concorrência. "Comi o lá de dentro [do Mineirão] uma vez e estava "envenenado"." O advogado Marcelo Coura, 29, discorda: "Hoje, não almocei para vir comer o tropeirão. O de dentro é sagrado."

Pernil paulistano

Em volta do Morumbi (casa do líder, São Paulo), num "centro gastronômico" de 18 barracas, só se vê uma imagem: a da chapa em que repousa um enorme pernil de porco, base do sanduíche que é o hit dos estádios paulistanos. "O povo não muda: sanduíche de pernil é a comida do estádio. Temos de calabresa também, mas não gostam tanto", diz dona Maria, da Barraca do Orlando.

Quando um cliente pede um sanduíche, o pernil é fatiado e a seus pedaços são acrescidos tomate, repolho e cebola picados, além de um molho de limão com alho e, por fim, shoyu.A mistura é saboreada por gente como o gráfico Luiz Carlos Souza, 38, abordado quando dizia a um amigo ir ao estádio mais pela comida do que pelo jogo em si. "O sabor da chapa usada não tem igual", explicou.

Dentro da arena, o Habib's (patrocinador do time) é a única lanchonete licenciada e oferece quibe, esfihas e torta de queijo e goiabada. Há também picolés Kibon e amendoins de todo tipo (japonês, doce, descascado), que vendedores gaiatos anunciam como "Viagra".

Malícia pouco vista nos arredores do Palestra Itália (do vice-líder Palmeiras), onde espetinhos e sanduíches de pernil e calabresa disputam a preferência com a oferta mais "substancial" dos botecos (macarrão, pizza e carnes à parmegiana), degustada e aprovada pelo estudante André Bambino, 18. "Dá para almoçar em casa e fazer o segundo tempo aqui."

No interior do estádio, o grupo Dias detém o monopólio da comercialização de alimentos (hambúrgueres, cachorros-quentes, pipoca, salgadinhos e churros). Com negócios também no Morumbi e no Pacaembu, o sócio-proprietário, Renato Dias, não se compromete: "Torço para qualquer time".

Codorna no Maracanã

Embora nenhum time carioca esteja no topo da tabela, a reportagem abriu uma exceção e visitou o Maracanã em nome da tradição do estádio. Pois foi uma decepção: o local deixa a desejar no quesito "junk food".

Ao redor do estádio, vans vendem cachorro-quente com batata palha e ovo de codorna -mas sem o purê que acompanha o lanche em SP. Barraquinhas com amendoim e coquinho (pedaços de coco) doces também pipocam aqui e ali, além dos churrasquinhos -a calabresa dá lugar ao salsichão.Dentro do estádio, biscoitos de polvilho e o mate gelado são a pedida -que, cá para nós, está longe de encher barrigas cariocas ou visitantes.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Notícia de fim de semana...

Domingão de sol, dia de praia! Praia nada.. dia de correr no parque. Parque do Cocó. Eu não, claro. Mas tinha gente da família que se inscreveu naquele negócio lá do Iguatemi. Até a Daniela Cicarelli ia pra lá também. Vou levar a câmera, é sempre bom "exercitar" a fotografia. Ainda mais em um evento promovido pelo Iguatemi. Ainda mais numa corrida dentro do Cocó. Ainda mais com um nome desses: "Corrida Iguatemi - entre em ação com a natureza" Enfim... Cheguei meio com vergonha, né? Câmera guardadinha e tal. Só tirei mesmo antes da concentração pra umas fotos bobas de família mesmo. Bem, já que tô com a câmera na mão, vou esperar agora a largada. Pode ser que eu consiga uma foto da Cicarelli. "Faltam 2 minutos pra começar a corrida!" O locutor deu o sinal e... ação:
cinco jovens pelados entraram no meio da pista e gritando palavras de ordem em prol do verde. Até que começou a juntar gente no começo, não tirando a roupa, mas gritando também junto a eles.
Fiquei extasiada. Massa, saí na maior despretensão do mundo e me acontece uma manifestação bem na minha frente e quando eu to com a câmera na mão.
É agora!!! No meio da muvuca eu nem pensava. Só o branco na cabeça. É engraçado, eu não sei se acontece com todo mundo, mas nas situações em que eu mais preciso ficar calma eu esqueço até quanto é 2+2.
A segurança chegou em 3 segundos. Aí eu já até pensava um pouco: "vão bater, vão bater..." Pensado e feito. Foi aí que minha mão não queria mais me obedecer. O coração há tempos já tinha vida própria. Foi gente pra todo lado. Um encontro lógico: de um lado gente que esperava apanhar, de outro gente doida pra bater.
Não teve nenhum.. "olha, eu te conheço minha senhora.... tu tá encrencada..vamo acabar com isso aê, hein? Tenho nada a ver com isso..cumpro ordens só..." Nada! No mais teve um "Isso é uma manifestação. Deixa! Isso é uma manifestação. Deixa!"
Na hora do cacete mesmo, teve gente que se assustou. Ainda deu pra ouvir um "gente, tão batendo, tão batendo, gente!!" Pra vê se o povo aderia...pelo menos pra socorrer! O cearense é tão hospitaleiro... deu pra ouvir as respostas também "ô coisa ridícula...""isso é um absurdo.. !" "ai, que horrível..tinha que ser preso!"
Pra finalizar o domingão de sol, estavam presentes na corrida os principais jornais impressos de Fortaleza, Tv Jangadeiro, Tv Diário e Tv Verdes Mares. Não vi nem nota no Diário. Não sei se por incompetência minha de não ter achado, ou eles não publicaram nada mesmo. E no O Povo, além de um relez parágrafo que mal dizia nada sobre a manifestação, o repórter responsável pela notícia fez o favor de nem ao menos dar a informação certa. Colocou o Nome do S.O.S. Cocó no meio. E o pessoal nem tinha nada a ver com a história. O pessoal responsável pelo ato era do Crítica Radical, Bloco Verde, Frente Popular Ecológica e indivíduos independentes. Enfim... a segurança do shopping calou a boca dos manifestantes, na porrada, pra alegria das senhoras e senhores de família abismados com a ação. Essas pessoas que se indignaram com o acontecimento talvez estejam esperando ficar pronto aquele espigão que estão terminando de construir dentro do mangue, para que enfim eles possam desfrutar do verde! Mas antes, vamos ver a Daniela Cicarelli correr. "Faltam 2 minutos pra começar a corrida!" E dessa vez começou.

terça-feira, setembro 04, 2007

Janelas e portas ficam abertas, deixando passar o forte cheiro empurrado pelos ventiladores à rua. Wellington e Helson afastam-se, com medo do formol respingar-lhes, ao mergulho do corpo número 4. Antes, conjuntamente, deitaram número 4 em uma maca branca de metal, já velha, correram-na pelo vasto piso branco do anfiteatro Saraiva Leão no Departamento de Morfologia da UFC, até chegarem ao tanque de formol disposto na extremidade do anfiteatro. Existem outros três tanques, um ao lado, outros dois na parede em frente. Os dois procederam assim com mais cinco corpos: número 1, número 2, número 3, número 5 e número 6. Todos corpos inteiros. Homens, velhos, magros – apenas um forte – com seus internos expostos. Serviram para aula de dissecação do professor Erivan.

No Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), nove gavetas das quatro geladeiras esperam corpos abaixo de 20º negativos, por suas famílias. Suas características foram anunciadas em jornais e outros meios. O cadáver espera por 30 dias. Será dono do seu destino o parente de primeiro grau que reclamar o morto neste período. É ele quem irá autorizar ou não a necropsia do corpo. Sem pista da morte, a necropsia começará pelo cérebro, parte mais perecível do corpo, depois descerá todos os seus órgãos até encontrar a patologia. Sendo definida ou indefinida a causa do falecimento, o cadáver receberá seu primeiro e último documento póstumo: atestado de óbito. Agora, para o Estado, além de morto de fato, ele é um morto civil. Para o defunto, indiferente. Entretanto, o óbito à família será importante para algumas regalias: seguro de vida ou funerário. Com a documentação da morte do corpo, a família terá que optar pelo destino do cadáver: enterrá-lo ou doá-lo a alguma instituição de ensino. A maioria prefere enterrá-lo. Sendo quase 90% das famílias sobreviventes por mês com menos de um salário mínimo, o morto será enterrado em vala comum.

Se ninguém, em 30 dias, der conta da falta do morto, ele será da União. É uma espécie de “usucapião” de corpos. Esses cadáveres aleatoriamente terão a partir de então dois encaminhamentos: o sepultamento em vala comum ou qualquer instituição de ensino para servirem de material de estudo.

Wellington tem 43 anos. Fez curso no Senat (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) de Radiologia, depois estudou para a área de Enfermagem. Não agüentou a carreira. “Era muito duro conviver com a parte de pediatria do hospital.”. Estagiou nos finais de semana no IML para tentar concurso que acabou não conseguindo por chegar atrasado na prova. Acha melhor onde está agora, como técnico de anatomia e necropsia no Departamento de Morfologia da UFC. Com ressalva que no departamento não se faz necropsia. Em três meses de trabalho já tratou de seis corpos do SVO que receberam a segunda opção.

O companheiro de trabalho de Wellington, Helson, é formado em Veterinária. “A anatomia do ser humano é basicamente igual a dos animais.” Há dois anos e meio no trabalho do departamento, Helson nunca cuidou de uma mulher. “As mulheres têm mais vinculo familiar, por isto é difícil que não reclamem seu corpo no SVO”.

O corpo do SVO vem vestido e congelado. Alguns com blocos de gelo entre os membros. Em temperatura natural os técnicos esperam o descongelamento. Depois despem o cadáver e dão-lhe banho apenas com água. Em seguida cortam seus pêlos com navalha e, para os cabelos grandes, tesoura. Não existe rigor nisto, os corpos em sua maioria permanecem com parte dos cabelos e da barba. Não cortam as unhas. Para formolizar o corpo, injeta-se de três a seis litros de água com 10% de formol pelas veias carótida ou femoral. Uma bomba de pressão encube a volta da circulação no cadáver. Depois, no tanque, o corpo fica submergido por 30 dias. Cabem em média cinco corpos em um tanque. Por vezes é preciso colocar um peso sob o corpo para ele não subir. Neste tanque está a imagem mais constrangedora e áspera da sala de depósito do departamento. “É porque nesses corpos você vê seu semelhante, por estarem inteiros.”, explica Helson.

Os corpos inteiros vão sendo descaracterizados com o decorrer das aulas de dissecação. O cadáver número 1, perdeu a tatuagem do peito: “Mafis ou Mefis”, não lembra direito Helson. Peles, nervos, membros e órgãos vão sendo tirados. Por fim se tornam partes do corpo humano. Neste processo estão três “troncos”. Um homem velho magro de cavanhaque branco e ralo com pênis intacto é um deles.

A seleção das partes acontece como qualquer outra: o que é melhor fica. Para as não selecionadas, como o pulmão danificado pelo fumo, preto com buracos, resta um contêiner preto ao lado dos garrafões de formol. Dentro, pedaços indefinidos do corpo humano. Semestralmente, já com 200 a 300 quilos, o que está no contêiner é enterrado em vala comum junto aos cadáveres do SVO e do IML. Pedaços de corpos com formol são muito resistentes, mas mesmo assim existem bactérias para os putrefazerem.

As partes boas para estudo são serradas dos corpos. Ficam dividas pela sala de depósito. Os órgãos ficam em tambores coloridos e nomeados. Os rins ficam no tambor amarelo, os pulmões em tambor azul, os corações no vermelho. Membros ficam num tanque de formol igual aos do anfiteatro. Para maior didática dos alunos, Helson explica que veias, artérias ou nervos são pintados com corantes ou tintas. Exatamente como João Bruno, estudante de medicina, fez com as veias de uma perna. 50 horas de trabalho, entre pintar e tirar gorduras ou partes não importantes para o estudo.

Bruno respeita muito os corpos, quer implantar um minuto de silêncio no começo das aulas no departamento. Helson, evangélico, e Wellington, católico, ex-participante do grupo de jovens, não rezam pelos corpos. Helson por que acredita que devemos rezar por eles enquanto vivos. Assume a mesma conduta com sua família. Wellington porque nunca atinou sobre a idéia. “Taí nunca pensei nisto. Rezo pelos meus familiares, mas por eles nunca pensei.”

Existem treze corpos inteiros, dois sem dissecação, três “troncos” e dois bebês inteiros no Departamento de Morfologia para 450 alunos. Quantidade insuficiente para o professor Alan Marcos. Ele não doaria seu corpo para estudos. O professor Saraiva Leão, médico e escritor, que dá nome ao anfiteatro também não doou seu corpo. “Em 20 anos de carreira nunca ouvi dos colegas algo sobre isto”, o professor Allan prefere doar para transplantes. A última doação foi em 1986. Um homem de Santa Catarina. Ele pôs no testamento a doação do corpo, como morreu em Fortaleza, seu corpo foi doado para o departamento. Helson e Wellington não doariam seus corpos. O último porque segue a mesma filosofia do professor. Helson porque acha “drástico” o que fazem com o corpo. “Se fosse para optar, eles não aceitariam (...) É imposto”.

Nos 13 meses de SVO, 2.183 corpos passaram. Muitos deles morreram na própria casa, sozinhos ou perto da família. A maioria com mais de 60 anos. Órgãos sexagenários não servem mais para transplantes. Desses corpos apenas 8 foram para o Departamento de Morfologia. O professor Allan Marcos solicitará no SVO para o próximo ano mais 6 corpos não reclamados pela família que servirão para a próxima turma de dissecação do professor Erivan.



por Bruno Xavier

domingo, agosto 19, 2007

Quem é o dedo duro?


Em julho de 1968 gloriosa revolução de 1964 se consolidava rumo a efetivação dos direitos inalienáveis de seus generais. Faltava pouco para Costa e Silva baixar o pau de vez e instaurar o AI-5. Nas bancas, chegava a edição número 28 da Revista Realidade, ao custo de NCr$ 1,50 (cruzados novos), estampando uma foto de Luís Travassos na capa, presidente da União Nacional dos Estudantes e pivô de uma disputa política ferrenha dentro da entidade contra outro militante estudantil, José Dirceu. Trazia ainda, entre outras reportagens, o relato do repórter José Hamilton Ribeiro, convalescendo em uma maca de hospital no Vietnam, depois de ter uma de suas pernas arrancada por uma mina enquanto acompanhava um esquadrão estadounidense durante a cobertura da guerra internacional que movimentava aqueles anos. A Revista Realidade chegava ao ápice de seu jornalismo que no próximo ano começaria a declinar, perdendo espaço dentro da Editora Abril para a, na época recém-criada, Revista Veja.

Nessa mesma edição, sob o tema "Polícia", o escritor João Antônio publicava seu segundo texto na revista, depois de passagem, em dois anos de carreira, pelo Jornal do Brasil, pela revista feminina Cláudia e pelo jornal Última Hora. João Antônio não negava querer viver só da literatura, mas na falta, seguia desenvolvendo um jornalismo intimamente ligado a sua ficção, apesar da forte motivação de subsistência. Na reportagem "Quem é o dedo duro?", seguia um dos temas caros a ele, a margilinalidade, sempre com um faro para os "tipos" brasileiros e seu linguajar, costurando tudo com descrições sucintas e uma narrativa precisa.

A reportagem, além de sua temática impressionante (o trabalho informal de um delator trabalhando para a polícia carioca no meio da malandragem), inquieta pela forma onisciente de narrar de João Antônio que não apresenta nem as circuntância em que encontrou o personagem principal, Zé Peteleco. As fotos também esquentam as orelhas. Cheiram a um ensaio ilustrativo, mas aquele dedo do fotógrafo na última imagem só se justificaria em um publicação como Realidade pela pressa ou coisa do tipo.

O grupo TR.E.M.A. disponibiliza fotos e texto desta reportagem na íntegra. Uma faceta intrigante do mundo anônimo que se esgueira diante de nossos olhos narrada por um discreto cagüeta jornalístico.

Quem é o dedo duro?

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segunda-feira, julho 23, 2007

Prestação de contas

A gente anda sumido, longe de “casa”, dos leitores e leitoras, do carinho, do assédio, das páginas dos cadernos de cultura. São os projetos. Tem documentário e revistas sobre os terminais de ônibus – esse coletivo. Tem os individuais, sobre os quais não cabe falar. Apenas que eles, os tais projetos, coletivos e individuais, nos consomem quase todo o tempo, restando-nos apenas algumas poucas horas livres. Nas quais a gente prefere a first life e pretere a second. A vida em carne, osso e sêmen, que, além das coisas mais banais do cotidiano, inclui viagens, avaliações, reuniões de formatura, de pauta, de família e até mesmo funerais. E, como não poderiam faltar, encontros em mesas de bar. Na melhor tradição “esquerda festiva”, a gente faz, sim, reuniões nas casas mais tradicionais e também nos inferninhos.

Quero dizer com isso que o tempo anda escasso, que nos falta um tantinho de organização e que, logo mais, a qualquer momento, a coisa vai engrenar por aqui. Que os textos, prometidos para daqui a pouco, voltarão à cena, que o caldo vai engrossar e a chapa, esquentar. Do contrário...

Do contrário prometo escrever novamente declinando novas desculpas para as nossas graves e imperdoáveis faltas.

Por enquanto, o que acham de ver – no caso de alguns, rever – filmes antigos? A gente tem uma prateleira cheia deles de pé num cômodo que, de tão freqüentado, passou a ser como que uma segunda casa. publicamos nossos últimos trabalhos, muitos dos quais totalmente inéditos em nosso próprio espaço.

Pois bem. Seguem – para deleite do (a) leitor (a) e enquanto a gente permanece sumido, escondido atrás das cortinas da sala-de-estar, algumas coisinhas.

Saudações!

domingo, julho 08, 2007

Três instantâneos

Terça-feira, 14h00

Felipão e Forró Moral enche as ruas da aldeia, em Caucaia. O som vem de uma casa próxima, de alvenaria, telhado vermelho e cercada com arame farpado. Roupas colorem o varal, que cruza o quintal da casa como cordões de bandeirolas, muito comuns durante os festejos que marcam o mês de junho em todo o nordeste.

Encostadas umas às outras, cinco ou seis bicicletas. Segue, à sombra da mangueira, a roda de conversa, encontro semanal que reúne representantes das doze comunidades espalhadas no município. Discute-se muito, os índios têm, de modo geral, uma agenda política apertada. Dificilmente consegue-se espaço nela.

Distraída, a índia costura. De quando em quando, levanta a cabeça das linhas com que vai dando forma a uma manta para, no instante seguinte, voltar a enovelar-se nos próprios pensamentos.

Um cachorro, branco e magro, revira-se na areia. Parece gostar do sol. Duas crianças aproximam-se. São irmãos, foram batizados com nomes “bíblicos”: Ismael e outro. Estão nus, a barriga inchada à mostra. Têm muitas feridas nos pés e nos braços. Divertem-se sozinhos com varetas e uma tira de câmara de ar. Empunham arco e flecha de brincadeira.

Querem ser fotografados. Imagina que sim, que devem, como o cachorro magro e branco, gostar de ser fotografados. Eles sorriem, posam para fotos. Na segunda, ele pede para que empunhem, sorridentes, os arcos. Eles gostam, não o deixam ir embora. Ele vai.


Sábado, 12h00

Dois pedaços de madeira lado a lado, uma carcaça de geladeira, muitos fios, buzina. Na proa do carro, duas caixas de som presas com barbante. Cuidadoso, ele manobra o carro. Veste camisa de botão encardida, bermuda rasgada, boné do Ceará. Calça chinelo de dedo. Há pouco, despejara alguns quilos de ferro, plástico e papelão sobre o prato enferrujado da balança. Enfiou os trocados no bolso, deu marcha à ré.

Na rua, parado entre o homem e o lixo da cidade, o menino. Sem camisa, usando calção azul, pede: “Acende o farol!”

Meio-dia, a luz amarela das lâmpadas fraqueja. “Toca a buzina.” O som estridente parece animá-lo. O menino cede passagem. O homem encara-o, sem cumprimentá-lo, e vai embora.


Qualquer dia da semana, manhã, tarde ou noite

Entra, estende uma nota de dois reais, recebe o troco. Cambaleia até a poltrona, desaba. Silêncio, o veículo quase vazio. Enquanto segue viagem, as faixas intermitentes da avenida aos poucos grudadas umas às outras, numa única e dormente faixa branca, pode concentrar-se em nada, em ninguém.

Ela sobe, vem do escuro. É noite, quase nove horas, devia estar em casa, a mãe talvez desesperada, o pai quem sabe aflito. Muito criança. Doze anos, se tanto. Usa o cabelo solto, que se avoluma no alto da cabeça. Veste uma camiseta apertada, dois números abaixo do seu. Calça chinelinha de dedo. Nas canelas, uma e outra cicatriz. Carrega uma caixa colorida. Não sorri.

Na caixa, bombons, pirulitos, chiclete. Muita coisa doce.

Não queria estragar os dentes. Ignorou-a.

quarta-feira, julho 04, 2007

Saia do anonimato!


Você já teve sua história contada pelo TR.E.M.A. ou mesmo já foi um dos cidadãos do O Povo e ainda continua nesse cinzento anonimato, perdido entre essa multidão disforme, trepidando em movimentos peristálticos até ser expelido em um fim de tarde grosso intestinal? Você é dos que já tentaram de tudo para sair desse marasmo midiático e o mais que conseguem é entregar panfletos na Santos Dumont com Barão de Studart sob uma árvore de espoja com quase meio metro que lhe enfeita a cabeça feito um chifre tomado por trepadeiras? Ou mesmo o mais longe que você chegou foi carregar um daqueles bonecos carnavalescos gigantes e ficar pinotando em frente a Ortobom da Antônio Sales com a Virgílio Távora vendo sua vida derreter em pleno pico das três da tarde, enquanto os carros passam ar-condicionados e você mal pode coçar o ovo? Não desanime! Com o Curso de Recepção de Eventos e Interpretação Publicitária você dominará as técnicas mais sofisticadas em matéria de sorrisos delivery. E mais! aprenderá os diversos templates faciais para os mais famosos conceitos publicitários, incluindo o clássico "atitude". E mais! Se você for um dos 100 primeiros a ligar, você ainda leva como brinde o nosso exclusivo e elegante template facial "quero te chupar"*.

SAIA DO ANONIMATO!
Mude sua história!
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* vide foto 4: modelo de pele branca e batom vermelho.
** clique em cima da foto para ampliá-la.
*** panfleto recebido em uma tarde ensolarada na esquina entre a Rui Barbosa com Heráclito Graça.