domingo, setembro 03, 2006

Diários de ônibus 2

Por Diógenes


É tão grande que não se pode vê-la. Mas de cima, rodeado pelas luzes das casinhas sobrepostas que refletem no asfalto em sangue, podemos caminhar o olhar sobre sua devassidão sedutora. Nela mora a multidão, o tal monstro sem rosto e coração que devora semblantes e silencia gritos em sua combustão permanente de ruídos. Sua massa é conjunto de possibilidades excitantes de fornicações, mal-dizeres e esgotos de perfume barato.

Estou ali num daqueles ônibus a fitar alguns consumidores saltitantes com seus sacos de sonhos embalados pelas cores berrantes de cada esquina.

Só que inquietude essa tão distinta que assobia grunhidos de gozos interrompidos pelo incômodo olhar do outro a espera de carinho?

A explosão arrebatando a multidão num frenesi contínuo castiga todo intento de comunhão. Sobra o próprio continum fragmentado de afetos entrelaçados em fotos de recordação empoeiradas pela falta de memória. E talvez seja esse o maior escândalo de nosso tempo, o de não saber se a estrada da qual saímos agora a pouco estará disponível para uma volta.

Frente ao espetáculo gratuito de aparelhos sanitários dos “plim plins”, quero é morder a orelha de uma ninfa e martelar as paredes com suas costas, num vai e vem frenético de impulso e vontade.

Brincar pela manhã de mangueira, jorrar a água sobre o corpo, seca-lo pelo sol enquanto se vigia as travessuras de insetos, anfíbios e lagartos. Passear a tarde pela imponência dA Construção, cuspir sobre seus arquitetos. Canalhas! Ainda vão se banhar da saliva e sêmen, de sangue e vômito, banhar-se-ão em lágrimas para secá-las ao vento frio da madrugada.

Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez.

2 Comentários

Anonymous Anônimo said...

Rapaz, parece que só eu vou responder aqui mesmo Diógenes (foi tú quem escreveu?). Não sei se lembra aquele conto que parece ser difícil de construir ("Construção"), mas confesso que nesse texto há um certo "lirismo barulhento". Me lembra um clipe da Björk, acho que chama-se "Army of Me", um que ela avança estando dentro de camihão quase fantasmagórico que vai empurrando toda forma pequena de vida pela frente.
Estou escrevendo colunas num site que é bem diferente deste. www.eceara.com.br (só clicar naquela foto estranha). Hoje foi publicada uma mini-crônica, mas já publiquei uma resenha do "O Sol de Cada Manhã" (The Weather Man), que gostei muito. Se gostar, comenta, se não gostar chuta. Abraços dum amigo dos Filósofos e não da Filosofia.

4:16 PM  
Anonymous Anônimo said...

O filme que você se refere me pareceu morno, tem uma ou duas cenas em que temos um brilho - dentre elas a que o personagem central associa sua vida e trabalho ao que jogam a ele: fast food. Mas esse clima morno e bem econômico em diálogos intensos pode ser justamente a melhor forma de se traduzir o vácuo, a mediocridade e a frieza da vida da maioria dos "bem sucedidos".

Já a sua crônica sobre as vagas para a mediocridade, considerei-a melhor do que a resenha (não no sentido técnico, mas na profunidade semântica). Sinto falta apenas - talvez seja sintoma desses tempos - de pistas de superação.
Até André.

12:25 AM  

Postar um comentário

<< Home