segunda-feira, abril 03, 2006

Homem Sol

texto: Eduardo Martins



Evanilson é, ou só parecia, uma pessoa tímida, recatada. Um típico trabalhador. Concentrado no serviço. Talvez um pouco enrijecido pela indiferença de muitos clientes com os quais, ao longo de sua experiência, Evanilson foi obrigado a conviver.

Em um domingo ensolarado na Lagoa do Cauípe, Evanilson parecia ser o único a vender pitombas à beira. Desviando das barracas, ora por dentro da terra fofa e pesada, ora molhando o mocotó na margem, Evanilson enxugava a testa suada pondo a franja meio comprida para o lado. Queria tomar banho na lagoa, mas não podia.
Evanilson morava “na Caucaia” e provavelmente passava os finais de semana no Cauípe. A pele muito bronzeada e os cabelos queimados do sol denunciavam uma rotina, e emolduravam o sorriso pouco maroto de Evanilson, talvez já castigado demais pelo trabalho. Confessava, desconfiado, torcer pelo fluminense, e sabe Deus o motivo da desconfiança, já que ostentava a camisa tricolor do clube, acompanhada de um calção encardido e de uma chinela de dedo tipo “havaianas”.

Evanilson sempre preferiu animais à números. Os cálculos para a venda eram meio confusos para ele, embora o preço fosse sempre um valor “redondo”.

Naquela vida difícil da areia fofa, entre o calor febril do meio dia e a refrescante lagoa cheia de banhistas, na qual Evanilson queria entrar e não podia, ele ainda suportava o barulho ensurdecedor dos sons de carros, estacionados quase em cima da beira. Andava entre as caixas de som, e de cada uma levava um cascudo, às batidas que zuniam no ouvido.

Evanilson até aquele momento não havia vendido um cacho de pitombas se quer. Pitombas são baratas, um real o cacho.


Era experiente naquela vida, percebia-se por sua postura naquele lugar. Além disso, ele trazia o sol consigo, identidade forte de quem vende pitombas na praia, e que também revela experiência. Experiente, mas àquela idade Evanilson não sabia ler.

Vendeu dois cachos de pitombas. Precisava continuar. Disse que cansava do trabalho. E partiu.

Evanilson, depois da conversa, ainda passou algumas vezes por mim. Vendeu mais pitombas. A última vez que o vi faltava só um cacho. Não o vi depois e não o achei banhando-se na lagoa. Evanilson é um homem forte e Deus abençoa os homens fortes.

Ano que vem Evanilson vai ser mais forte, vai aprender a ler. Vai ficar mais velho também, vai fazer sete. E tomara que a mãe dele deixe tomar banho na lagoa, mesmo se não tiver vendido tudo, só pelo motivo de que Evanilson traz o sol consigo ou que, muitas vezes, o sol daqui é de rachar a cabeça dos Evanilsons.

6 Comentários

Anonymous Anônimo said...

Texto surpreendente. Adorei, Dudu! Parabéns!
Beijinhos!

12:46 AM  
Blogger JanAyde said...

Pq eu achei q ele era velho, um senhor?
Mto bom.

10:58 PM  
Anonymous Anônimo said...

Salve, Eduardo.
O texto rendeu uma dorzinha no peito. Fará dessa minha primeira visita uma constante.
muito bom. Parabéns.

10:04 PM  
Anonymous Anônimo said...

sim, vou dizer que cê escreve lindamente ótimo não, que nem precisa...!!!
mas e depois dessa conversa toda com o Evanilson cê comprou ou não comprou as pitombas do menino?!?!?!
hehe..brincando..mas eu acho que se o Evanilson quisesse ganhar um trocadinho a mais ele devia mudar de fruta...pitomba eh muuuito ruim dá uma gastura na gengiva!!!
obs:todo mundo falando muito bem do texto em cima e eu dizendo uma besteira dessas ..hahaha..beijão Dudu!!!!

6:33 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não, acho pertinente teu comentário. Comprei sim as pitombas, duas aliás... e quanto a gastura é muito pessoal, né... eu gosto de pitombas... ah, e fica a vontade, o espaço é livre...

8:03 AM  
Blogger Unknown said...

Gostei muito do texto, talvez porque goste da lagoa, talvez porque goste de pitomba, talvez porque adimire homens fortes... certeza mesmo, é que gosto de quem escreveu.

10:53 PM  

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