terça-feira, abril 11, 2006

Romeiros do inverso

texto: tiago coutinho

- Menina, cadê a Lúcia, hein? Ela ainda não chegou? – gritou uma senhora sentando no banco da praça.

- Tou aqui deitada, mulher! Não agüentava mais meus pés doendo... Ainda bem que não tá chovendo...

- Deus não é vingativo! Já pensou, passar esse sufoco todo e ainda tomar banho de chuva?

***

Canindé, 1996, uma hora perdida em um dia desconhecido: Alguns amigos de Célio, ao voltarem de Fortaleza, o convencem de que o negócio na capital valia a pena. Ele toma uma decisão. Iria testar no próximo mês.

Fortaleza, 12 de março de 2006. 23h45: Marluce espera sentada, com os braços e as pernas cruzadas, no banco da praça, que o pau de arara chegue com suas mercadorias. Olha constantemente para o lado de onde deve chegar o carro. Ela sabe que não dormirá um único minuto da noite.

Canindé, em um dia da semana qualquer, ao meio-dia: Naira, 15 anos, se prepara para ir à escola. Desde as oito da manhã, estava na loja da sua mãe, situada na Galeria Frei Lucas Doll, uma homenagem feita ao Frei que mais demorou em Canindé. A cena se repete diariamente, com exceção dos sábado, quando ela trabalha até às 17 horas.

Fortaleza, 12 de março de 2006, 23h15: Movido pela curiosidade de saber por que as pessoas que vendem artigos religiosos todos os dias 13, em frente à Igreja de Fátima, passam a noite na praça, espero meu amigo Pedro chegar com a máquina fotográfica para começar a nossa pauta.

Canindé, 12 de abril de 2006: Marluce fica na cidade. Os demais amigos arrumam as peças para levarem à Fortaleza. Neste mês, ela não vai. No mês de abril, não há a missa de lavar os pés, o movimento é menor, por isso, não vale a pena.

***
Enquanto parte da classe média de Fortaleza se encontrava acolhida em seus lares, preocupada em saber quem seria o indicado para o paredão pela líder Mara no 6º Big Brother Brasil, Célio parecia ignorar o programa que há pouco passou na televisão da lanchonete ao lado. Ele arrumava, calado, sua barraquinha de miudezas e santinhos, em frente à Igreja de Fátima. A sua expectativa era outra: quanto venderia no dia seguinte?


Apesar de ter passado três horas em um pau de arara, ele ainda encontrava disposição para arrumar com cuidado seus objetos e ainda responder às perguntas de um carinha que, talvez, ele nem lembre o nome. Possui 42 anos e vive, há mais de 20, da fé no comércio. Assim como quase todos os amigos próximos, ele se desloca uma vez por mês de Canindé para Fortaleza com suas caixas de mercadoria. Na companhia, a esposa Isabel.


Ele já está quase terminando de arrumar. Depois de pronta, Célio cobre toda a barraca com saco plástico preto. Mas não é por medo de roubo. Só há gente conhecida, pode confiar. Mas pode chover e, pra dormir na praça, é melhor ficar no escuro com o colchão dentro da barraca.


O companheiro ali do lado, cujo sono não se perturba com o barulho dos carros, armou sua rede entre os dois ferros de base de sua barraca. A fadiga serena antecipa o intenso dia de trabalho. As missas, na Igreja de Fátima, começam cedo, a primeira, segundo Célio, já se inicia às 5h30. Muita gente chegando para rezar. Por isso, ele arruma logo suas peças, para tentar ainda tirar um cochilo.


A companheira Marluce, de umas quatro barracas ao lado, não teve a mesma sorte. Ela veio antes num carro fretado. O pau de arara, onde viria seus santos, deu prego no meio do caminho. Atrasou tudo. Mas ela não fora a única, outros se encontravam na mesma situação. Não podia nem dormir, tinha de esperar a mercadoria chegar.


Conversava com Naira. Mas o pensamento era recorrente. Essas coisas que não chegam. A preocupação é justa. Sendo as peças de Marluce santos de gesso, quando mudasse de carro, poderiam se quebrar. Marluce faz, ela mesma, suas mercadorias. Isso lhe dar uma liberdade maior, para faltar alguns dias de trabalho quando se encontra cansada.


As peças são baratas. O preço mais caro, uma estátua de 60 cm, custa aproximadamente R$ 8,00. Mesmo assim, Marluce, nos dias 13, apura cerca de quinhentos reais. Vale a pena o investimento. A passagem de pau de arara com a mercadoria fica em média de R$ 30. Com alimentação, ela gasta próximo de R$ 15,00. Sempre tem umas quentinhas ali por perto. O pior mesmo é passar o dia em pé, vendendo suas peças. Ao longo do dia, Marluce não assiste a nenhuma missa, porque não dá tempo tomar banho, nem traz de casa uma roupa decente. Ela, assim como todos, só volta para Canindé, depois da última missa. Às 20 horas.


Por causa disso, Naira nunca vai à escola nos dias 14 de cada mês. Apesar de estudar pela tarde, chega em casa, em Canindé, próximo das duas ou três da madrugada, precisa descansar. Ela faz o segundo ano do ensino médio. Gosta de Química e namora com José, um garçom de pizzaria em Canindé.


Mas Naira já está com o dia ganho. A barraca de sua mãe, Lúcia, está toda montada com santos comprados dos artesãos de Canindé e com miudezas fornecidas por catálogos de revendedores paulistas. Ela, deitada em seu colchão, tenta dormir, mas faz companhia à Marluce, que deve ainda manter essa preocupação por algumas horas.


Quando essas coisas vão chegar, meu São Francisco? Mas pelo menos a chuva não veio. Teve alguns respingos, é verdade. Mas Deus não foi muito vingativo com eles naquela noite.

1 Comentários

Anonymous Anônimo said...

Companheiro, Eu tava lendo seu texto, gostando, e de repente ele acabou! Eu esperar que ele fosse no mínimo umas 4 vezes maior. :)

Tá faltando tocar (nem que seja só uma contextualização) na importância de Canindé na religiosidade cearense e nordestina.

Falta descrição também eu acho. Se alongar nos santos, em quais são as "miudezas" e tal. Talvez isso seja frescura minha, mas eu gosto dessas coisas.

Ah! Quem vai pra missa na Igreja de Fátima é mais a classe média católica mesmo? Porque fica essa imagem no primeiro parágrafo.

Eu quero mais!

5:13 PM  

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