quinta-feira, abril 13, 2006

CADEIRAS COM RODAS (cap. 4)

Capítulo 4: ...Carlos vai apontando, avisa que daqui a pouco chega uma lôra que toda noite tá aqui tentando arrumar um namorado entre motoristas e trocadores... E lá está. Branca, quase albina, o nariz avermelhado, os olhos meios repuxado por cima de olheiras. Rodando pelos terminais, conversando com fiscais, motoristas, trocadores... O sorriso rebenta sem mais nem menos, deixa ela com cara de coelha, olhar faceiro de cúmplice de alguma traquinagem. A voz fina, espontânea, de contar histórias como viu e sentiu. As unhas com um esmalte marrom ruído e o cabelo mestiço, feito menino novo que ainda está escurecendo os pelos, preso por uma liga verde, fazendo um cocozinho caprichoso.

Mônica Monteiro Cavalcanti, deixa eu escrever, é que Cavalcanti no final é muito complicado. Cavalcanti com i é de algum pais de fora. Eu perguntei pro meu pai, ai ele começava a me dizer que era de Itália. Pelo entender dele, a história da família do meu avô tem um descendente que é da Itália, um negócio de Itália assim sabe. Ai ele dizia: ‘coisa chique importada dos Estados Uunidos.’” Na Itália?, não, não, ali mesmo no Conjunto Ceará, segunda etapa, um dos maiores conjuntos habitacionais da América Latina. Na época, 1979, uma casa da Cohab.

Roda pelos terminais há 10 anos, desde quando o pai, sua companhia, saiu de casa. Conhece de tudo, mas roda mais pelos terminais da Lagoa, Conjunto Ceará e Papicu, onde a gente tá agora sentado nesse banco de concreto conversando, pra se contar de forma mais certa, deixando ela falar.

Acorda 9 e meia. Toma café, abre a televisão, já deixa no canal de 17 pra escutar um musiquinha, gosta mais de escutar spispi. Britney Spi? É. Ai aperreia a mãe pelo café. 4 bolachinhas com um suco. Ou de maracujá ou de goiaba. Quando não tem suco é chá de capim santo ou sidreira. Às vezes aparece bolo em dia de festa. “Não me convite pra festa não que eu levo só a barriga”. No final da tarde parte, faz escala no terminal do Conjunto, joga conversa fora com os amigos. É nesse terminal que tem os amigos mais antigos. Depois parte para o do Papicu, onde tem uns gatinhos só o filé. O supervisor é bem bonitinho... Lá no conjunto só tem peba.


― Tu é muito vaidosa Mônica?
― Mais ou menos, isso quando quero arrumar um gatinho.
Pois me diz ai. As histórias que eu sei é que você anda atrás de um namorado aqui.
É mermo?! Quem que escarrou?
Eu ouvi assim...
Ah! O irmão. Eu mato o irmão.
― Quem é o irmão?
― É o vandame ali... ô... o Paulo.
― E o Luiz ai?
― Aquele ali, eu fui ajeitar uma loirinha, queixei a menina e disse que ele trabalhava de fiscal. Cheguei pra ele, ai ele disse “mulher não era pra ter dito que eu trabalhava de fiscal não, era pra dizer a verdade que eu era zelador”.
― Porque que ele queria que tu falasse que era zelador mesmo?
― Porque ela já sabia que ele era zelador, mas ela não sabia que ele tava afim dela. Ai eu fui dá os toque...
― Ai ela se tocou e saio fora...
Foi.


Sabe do nome do motorista da linha Conjunto Ceará/Papicu, até a lista dos números das empresas de ônibus. De empresa por empresa. Já foi de sentar do lado do motorista novo na linha e ir ensinando o rumo que tem que ser decorado. Aprendeu só olhando. Pegando aos poucos. Porque tem aquele ditado “É na experiência da vida que o homem se evolui”.

De rodar, conversar aqui e ali, não paga passagem, mas de vez em quando pede os dois conto a mãe pra não dar cabimento aos usuários. “As vezes eu peço, pra não ficar entrando pela frente, pra não dá cabimento ao passageiros, ai eu falo mãe me dá dois reais pra pagar a passagem, ai ela pensa que eu to raparigando , ai ela me bota pra baixo, mas eu não tô raparigando, ela me bota mais pra baixo ainda, ai eu fico mais pior ainda. Uma dia eu disse assim, ‘mãe vai vê se eu tô raparigando, vai olhar o que eu tô fazendo no terminal, chega qualquer dia desses lá no terminal e me olhe, se eu tiver raparigando você vai deixar de ser minha mãe.

“Às vezes minhas amigas me arranjam dois reais ai eu chego lá em casa ela pensa que eu to roubando. Ela pensa que eu to roubando, é assim, a minha vida é assim lá em casa. Eu só me sinto bem por aqui mesmo, só me sinto bem entre meus amigos”.Gaguejando, olhos vermelho, cena de close nos olhos, mas o mais fiel seria na boca salivando com os fios de saliva ligando os dentes, enquanto fala.

Educação rígida a da dona Francisca. O avô batia na avó mesmo grávida de 8 meses, dava pesada na barriga. A mãe de dona xica abortou 5 filhos, ficou com deficiência, teve que tirar o ultero, “ficou como um vegetal, tudo morto dentro”, fala Mônica em um tom poético e ingênuo que parece não dá conta da imagem brutal.

Não é difícil entender porque nos terminais. Com uma passagem de R$1,60 você roda por várias partes de Fortaleza, diversifica as companhias e depois de um tempo parte pra outro, e outro, até chegar em casa cansada, dormir e acordar com mais um dia de passeio por Fortaleza.

Não tão fácil. Mônica é de uma simplicidade que suas palavras parecem bem um menino correndo atrás de uma bola quando faço as perguntas. Fala, chora, a voz vai afinando, se misturando com alguma outra coisa que lhe pára no meio da garganta dela. Da minha. (segue no próximo capítulo)


Capítulo 1 e 2
Capítulo 3

6 Comentários

Anonymous Anônimo said...

Pedim... acho que o final poderia ficar mais claro que a história dela será continuada em um outro capítulo e tentar mostrar que existe ainda muita complexidade nessa personagem.

Acho que você poderia ter colocado mais sobre você. Até onde lembro, você sem impressionou demais com ela, isso ficou de fora. Acho que o texto, apesar de bom, não condiz com a situação vivida por vocês dois. Pelo menos o que você me relatou era mais do que esse texto.

6:15 PM  
Anonymous Anônimo said...

Pedro,
Acho que aconteceu a mesma coisa q vc criticou com texto do coutinho, a partir do meio do texto ele fica mais interessante , mais interessante e de repente acaba... sei que vai ter outro capitulo, mas mesmo assim, acho que esse poderia ter sido mais caprichado. Gosto muito da forma como escreve....
Achei a parte do dialogo meio , n sei, desinteressante, nao compreendi muito bem, acho que sou eu mesmo q n gosto dessa forma, ou sei lá.. me incomodou um pouco akele dialogo...
é isso tou indo p/ cumbuco agora..
falow bjao

9:40 PM  
Blogger Henrique Araújo said...

Também gosto da forma como tu escreve, irmão. Muito próxima daquilo que almejo pra mim, prosa rápida e pungente e cortante e sibilante conforme a vida se mostra. Sem meias palavras. Como disse João Cabral, "uma faca só lâmina."

Por outro lado, concordo com o Tiago, caríssimo. Acho que faltou mais sangue no texto. Não da personagem, mas do autor. Afinal, o que tinha a Mônica de interessante, Pedro?! Ficou muito a impressão de que ela era somente como qualquer outra marginal a rondar pelos terminais, o que não deixa de ser verdade. Mas,e a história dela? Será que o propósito foi cumprido mesmo?

Não sei, mas acho que um pouco de reflexão também caberia... Mas sem intelectualismos.

Abraços a todos.

3:28 PM  
Blogger Henrique Araújo said...

Só uma dúvida: quando tiver de postar, mando por e-mail para alguém ou terei acesso a SENHA???

Afinal, já dizia Glauber, uma senha nas mãos e uma idéia na cabeça... Esqueçam!

5:02 PM  
Anonymous Anônimo said...

Rapaz, só de pensar naquele dia no terminal de madrugada me dá um nó. A experiencia sem duvida n cabe num texto, muito menos essa e num texto para um blog com o espaço limitado da paciencia do usuario. O Pedro ainda n respondeu, se for fazer outro capitulo destinado à Mônica eu calo a minha boca, senão eu tenho um monte de observações e exigencias pra entrar no texto... agora, outra solução, q a gente chegou a discutir, seria disponibilizar p download o audio completo...

Mas eu gosto do texto, como texto, gosto do repeito a ela e especialmente do final...

10:30 AM  
Anonymous Anônimo said...

pode cre, concordo com todos os comentário, não gostei do também. Vou reescrever nos próximos dias.

10:44 AM  

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