domingo, abril 23, 2006

Lugar de repórter é na rua


Fotos e Texto: Henrique Araújo
"Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão"
Gonzaguinha
“Lugar de repórter é na rua”. Só faltou dizer: junto com a molecada, jogando bola ou contando uma piada na esquina, enquanto toma uma cerveja e aguarda, qual animal de instintos apurados, o momento certo para dar o bote.
E é assim que deveria ser a profissão; assim era feita quando, há bastante tempo, o jornalismo não capengava ou morria de inanição nas redações pouco ventiladas, mesinhas justapostas e distantes do corre-corre do dia-a-dia. Se tudo isso não passa de romantismo, aí é outra história.
Mas, pra voltar ao mote dessa nossa conversa, devo dizer que foi na rua que encontrei os meninos do Henrique Jorge. Melhor dizendo: no auditório do Centro de Cidadania Governador César Cals, que abriga, hoje, uma meninada esperta e ligeira no verbo e nas manobras de skate. Aprenderam a andar de skate juntos, há cinco anos, e até hoje um não larga o pé do outro com medo de cair. Como disse um deles, Vinícius Farias, 23 anos e skatista desde os 18.
“A gente é mais ou menos como um tripé. Uma santíssima trindade com outros propósitos. Se um cair, os outros não se sustentam”.
E olha a heresia do garoto, chamar Santíssima Trindade a um grupo de rapazes – na verdade, são apenas três – que teimam em seguir um caminho diferente, se embrenhar numa vereda que, por exemplo, outros amigos não viram ou, simplesmente, não estavam preparados para ver.
Assim a história de Vinícius, Fábio e o ausente Gleison. Não, o rapaz não é autista, não. Apenas viajara a Pacoti quando, na sexta-feira, topei com o restante do grupo casualmente e decidi entrevistá-los para um site.

“Falem de tudo um pouco”, cartão de visitas pouco comum, mas que, quando dá certo, sai de baixo. “A gente tem um projeto. O nome é Esporte Radical e Educacional”, adiantou-se Vinícius. “A gente pegou umas crianças do Autran Nunes e tamo ensinando a andar de skate. Mas não é só isso, não. Têm também palestra, vídeos educativos e campeonatos”.


Resumo da ópera: os meninos moram no Henrique Jorge, mas têm um projeto no Autran Nunes, o famigerado Alto do Bode. Ensinam uma reca de moleques entre 5 e 16 anos a andar de skate e a se respeitar. Não é, Fábio?! Fábio parece ter um pouco de preguiça em falar, mas, com as cutucadas que dou e a energia que se desprende de Vinícius, vai ganhando coragem.

“A gente também resolve as rixas da meninada do bairro”, corroborou Fábio Moura, 22 anos. “Quando tem alguém querendo brigar, a gente resolve a parada na hora, e fica tudo bem”.

Além do projeto educacional levado a cabo através do skate, uma coisa pra se ver e repetir em outras comunidades da cidade de Fortaleza, os garotos também são: promotores de evento; montadores de palco e agitadores culturais. O Vinícius também quis ser o “melhor funcionário” na empresa onde trabalhou, a Smolder, como auxiliar de serigrafia. Nunca saiu de auxiliar, segundo ele, “porque o gerente resolveu fuder com ele”. Pra ser mais preciso: o gerente não foi com a cara dele.

“E tu?”, dirigi-me a Fábio, que quase tomava um susto. O menino era mesmo muito calado, só ficava lá sentado em cima do skate escutando, como que hipnotizado, o Vinícius falar. Não nego que, em alguns instantes, me pegava escutando e escutando as palavras saídas da boca daquele marginal, educado na barra quente do cotidiano do lado pobre da cidade.

“Comecei a trabalhar pra tentar ganhar algum e também porque a família não admitia um cara que só queria andar de skate. Consegui um emprego na Vicunha Têxtil. Entrava na empresa às 14 horas e só ia largar às 23. Isso de domingo a domingo, sem folga. Tive de largar os estudos, tudo. Quando tava no trabalho, batia aquela saudade da família, dos amigos, do skate. Tinha parado de praticar, não fazia mais nada”.

Quase ficava cansado só de ouvir falar sobre a rotina do menino. Façam as contas: entrava às 14 e saía às 23 horas: 9 horas de chibata. Agora multipliquem isso por 30 dias, o equivalente a um mês. Resultado: 270 horas/mês. O cabra ainda ficou por lá três meses: 810 horas!!! Só pra contrabalançar: vocês sabem qual a carga horária de um profissional empregado na Contax, empresa do grupo Telemar-Norte/Leste e que presta serviço serviço à mesma Telemar? 432 horas. Sabem como são tidos os meninos e meninas da Contax? Como “semi-escravos”.

E dinheiro, que é bom, nada. Os caras, para participarem de uma etapa do brasileiro de skate que acontecerá no próximo final de semana em Sobral, tiveram de comer o pão que o capeta amassou e depois cuspiu em cima. Mas conseguiram, novamente, saltar sobre os obstáculos, e vão competir. Alguém duvida que essa gentinha nascida de qualquer jeito vá conseguir alguma coisa na vida?!

Eu duvido! Nossa capacidade de afundar na lama é, lamentavelmente, infinita, nunca se esgota, e meninos como Vinícius, Gleison e Fábio são os que mais sofrem com toda essa esculhambação generalizada. Não preciso nem dizer do que estou falando. Ou preciso?!

Trocamos, ao final da entrevista, telefones. Em seguida, apertamos as mãos uns dos outros, como se fôssemos velhos amigos ou futuros parceiros em algum empreendimento exageradamente rentável.

8 Comentários

Blogger bruno reis said...

Poxa, admito que a princípio fiquei com preguiça de ler o post por causa de seu tamanho(mal de tela de pc: ô negocinho cansativo!), mas tenho que dizer que valeu a pena o ''esforço''(aff, c deve tá pensando que eu sou O mais preguiçoso, né... e o phoda é q vc está certo! eheheh).

O texto é despretencioso, flui naturalmente e consegue tratar de um tema considerado piegas sem o ser, sem cair na obviedade, no otimismo tolo ou na desesperança...

você disse que não sabia o que podia fazer a respeito dos meninos, não é? pode parecer pouco, e eu acho que você sabe disso, mas o papel que cabe a nós como pseudo-jornalistas em formação é justamente trazer a tona situações como estas. pode parecer pouco, mas é uma luz que se joga numa fresta escura da nossa sociedade, uma oportunidade para refletir sobre a situação da sociedade ou seja o que for.

Só mais uma observação: o design do blog tá bem legal, bem simples, mas muito bonito.

Parabéns!

5:12 PM  
Anonymous Anônimo said...

O trabalho de vocês tá cada vez melhor! Gostei muito do fato de vocês irem arriscando estilos diferentes a cada texto (e ainda assim conseguir manter uma marca pessoal). Achei empolgante o modo como o autor se jogou nesse último texto, sem medo de se misturar com aquilo que estava contando. É interessante a forma como vocês capturam as experiências, mas é ainda mais estimulante quando vocês deixam essas experiências capturarem vocês. Xêru no coração!

3:09 AM  
Blogger Thalita Castello Branco Fontenele said...

Existirá vida após o skate?
...

Mas, ei, jornalismo de rua é o que há. E gostei do estilo também ;)
Bom isso aqui.

10:51 PM  
Blogger Diógenes said...

"Se canto essa canção é prq ainda tenho fé, mas o sorriso é tão forçado é prq não estou em paz...e se o sistema nos separou...e continuar a acreditar que o melhor é dialogar...por isso canto essa canção" (Canção para amigos)

Agora pense num texto arretado menino esse aí e olha vou dizer, por alguns momentos pensei que fosse o meu amigo Pedro falando. Mais um ponto a favor do abaixo a autoria! Arretado mermo.

OBS: O trecho da música me lembra a galera do skate e vai ser provavel eles estarem cantando essa canção daqui alguns anos, ou meses...

12:14 PM  
Blogger TR.E.M.A.! said...

Olha, Diógenes, nem tenho mesmo o costume de comentar comentários, mas, neste caso, fiquei tão contente que resolvi dizer alguma coisa. Também sou a favor de que assinemos como grupo, e não como indivíduos, mas quero discutir essa questão da autoria de forma mais profunda, mas sem muita pretensão. Acho que a supressão pura e simples da assinatura do texto não elimina o grau elevadíssimo de individualidade presente em alguns textos, sobretudo naqueles que assino. Mas vá lá: bora discutir esse negócio, cambada!!!

1:55 PM  
Blogger TR.E.M.A.! said...

Vejam só, sem querer dei início ao troço comentando como "Trema", e não como eu mesmo!

1:57 PM  
Anonymous Anônimo said...

Interesting website with a lot of resources and detailed explanations.
»

2:12 PM  
Anonymous Anônimo said...

Greets to the webmaster of this wonderful site. Keep working. Thank you.
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2:25 PM  

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