terça-feira, maio 02, 2006

Estrada da Vida


Texto e Fotos: Raquel Gonçalves

Teresina, sete horas da manhã de uma quarta-feira. Paulo e Jorge estão prontos para mais uma jornada de trabalho pelas estradas do Brasil. O destino é Palmas, no Tocantins. Com a rota das estradas em mãos marcada no mapa, partimos. 1238km a serem percorridos até chegarmos ao destino. “Eu não conheço Palmas, mas essa estrada eu passei por ela há um ano, quando peguei a Belém-Brasília para ir à Goiás.”

Já parceiros em outras viagens, o rodízio funcionava mais ou menos de 6 em 6 horas entre os motoristas, para fechar as 26 primeiras horas de viagem: a ida. Éramos 31 estudantes, entre cearenses e piauienses, seguindo para um encontro estudantil. Paulo e Jorge se apresentam e iniciam a longa viagem. Afinal, era necessário o bom convívio, já que eles eram responsáveis pela nossa condução e estariam conosco pelos próximos seis dias. (Quatro do encontro e dois de viagem).

Esperando o tempo passar, o banco disforme e acolchoado do lado do motorista sempre me parecia um belo convite ao aconchego. Assim o fiz. Entediada já da viagem, sentei-me ao lado de Jorge e puxei um bom papo. A bela paisagem do cerrado que já surgia no sul do maranhão e a chuva forte da estrada me distraía, enquanto Paulo agora descansava em um longo sono pesado, mesmo trepidando sobre os buracos da estrada.

Viajar pelas estradas do nosso País é sempre um grande risco. Já passei por experiências terríveis. Tenho muito medo. “Eu dirijo desde 1975, moça. Nunca sofri nenhum acidente, nem presenciei nenhum assalto. Graças a Deus!” Como deve ser passar a vida na estrada, tantos dias viajando... tantas pessoas, tantas experiências... “Eu amo a minha profissão. Há mais ou menos um ano, eu estava fazendo uma revisão debaixo do ônibus e o macaco arriou. Cortei gravemente minha cabeça, mas nem isso me fez desgostar da profissão de motorista.”

Maria Oneide Bezerra Lima, sua musa. Casados há vinte anos. Filhos? “ao todo mesmo são onze espalhados pelo Brasil, tem no Pará, Maranhão, Brasília, mas minha mulher é tudo de bom, tenho dois filhos com ela e ela ainda me ajuda a criar meu caçula, que a mãe é de Oeiras, interior do Piauí.” Cada qual tem seus valores. Alguns, às vezes, meio incompreensíveis para mim. “Ou coisa boa é mulher. A gente tem que aproveitar enquanto pode. Sempre aparece umas oportunidades quando a gente viaja.” Relações amorosas: cada qual com a sua. Bem contraditória, às vezes. “Meu maior lazer é estar nos finais de semana com a minha família e tomar uma cervejinha com a minha mulher de frente para televisão. Não sou de sair para bar com os amigos e se embriagar não.”

Existe amor de todo tipo. A realidade de Oneide é algo tão distante na minha cabeça que acho difícil de imaginar eu cuidando do filho da mulher que um dia foi amante do meu marido. Mas... enfim, como diziam alguns filósofos, o amor é uma troca de favores. Em alguns casos, eu até posso enxergar dessa forma também. “A gente se dá muito bem. Às vezes a gente briga, ela me insulta, mas aí eu fico calado, porque sei que ela tem razão. Aí ela diz que eu não sirvo nem pra brigar. Aí logo a raiva passa e ficamos bem novamente.” Jorge é muito família Jorge Fonseca Lima, 51 anos. Enxerga nos sogros, os pais que ele perdeu muito cedo. A família de Oneide adora Jorge. Eles todos compõem uma família bastante harmoniosa, da forma deles.

A renda familiar é bem variável, depende muito das viagens de Jorge. Oneide trabalha no Estado. É secretária do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento de Agricultura Familiar. Há dois anos Jorge trabalha de carteira assinada para a Transferraz. “Nosso salário depende das comissões por viagem que varia entre 400 e 450 reais se forem curtas (quatro ou cinco dias). Se fizermos três viagens dessas por mês já ultrapassa o nosso salário fixo.” Três viagens de cinco dias por mês. Soma metade do mês distante da família. E a saudade? “A mulher da gente sente mais né... fica com os filhos e ela tem que ficar dizendo pro caçula: seu pai tá chegando”. Legítimo de Oneide são dois: uma moça de 19 anos que estuda enfermagem e um rapaz de 17 anos que sofre a maior pressão de Jorge. “Arruma um trabalho rapaz. Você já tá mais que na idade de trabalhar.”

Depois dos quatro dias de encontro, tomamos novamente o ônibus da Transferraz com nossos motoristas companheiros de viagem. 1238km novamente. Agora o percurso é inverso: a volta. Palmas-Teresina. A noite cai numa terça-feira última e agora Paulo anuncia: “Estamos a hora e meia de Teresina”. Alívio nos estudantes de uma viagem cansativa que chega ao fim e mais um sentimento de dever cumprido dos empregados da Transferraz.

Eu me despeço do grupo e dos responsáveis pela nossa condução. Saio daquele ônibus com a sensação de que o aprendizado se estendeu muito mais do que os espaços programados no encontro. Experiências de vida com valores tão distintos dos meus que me fizeram refletir. Chego na rodoviária de Teresina, sigo em direção à Expresso Guanabara, quem realmente me conduzirá de volta para casa. “Boa noite, por favor, passagem para Fortaleza.”

4 Comentários

Blogger Thalita Castello Branco Fontenele said...

Ohn, sempre achei a vida-dirigida uma coisa muito mágica. Talvez porque na infância, tenha viajado de caminhão e lona... Não sei, mas esse povo que conduz é sempre de bom coração. :)

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