terça-feira, julho 04, 2006

Bom dia céu, bom dia sol, bom dia mangue!

O grupo TR.E.M.A. começa sua pesquisa para o trabalho com a temática do Mangue que durará entre 2 e 3 meses. Vamos charfurdar um dos mais fertéis ecossistemas e que está sendo enterrado vivo pela especulação imobiliária, poluição...
Ramon, Clarissa e Bruno, pra começar, foram ver qual é a dessa galera que muitas vezes mora em cima do mangue e vai charlar no domingo de manhã na trilha aberta no Parque do Cocó, tentando reviver, em meio à indeferença urbana, um clima bucólico de suposta vizinhança.
Aqui está o relato do Bruno. Leia e depois veja com seus próprios olhos e depois pegue com suas próprias mãos.

Às 7h 40 cheguei à porta da trilha do Cocó, alguns carros estacionados, uns 3, porém a circulação de pessoas já era grande. Talvez pessoas que moram nas proximidades do mangue, e além de aproveitarem sua vista dentro de seus apartamentos, desfrutam-no para uma caminhada matinal. Senhores e senhoras, pais ensinando filhos a andarem de bicicleta, famílias, todos esses tipos de pessoas em comum na posição social, todos de classe média para cima. Quando Ramon e Clara chegaram começamos a adentrar para explorar aquela trilha, a primeira placa explicava educativamente que não deveria ser jogado lixo no chão e ainda mostrava o tempo de decomposição de cada lixo, lembro-me apenas da bituca de cigarro, 2 anos.

Ao entrarmos já comecei a perceber a invasão que estávamos cometendo aquele mangue. Vendo como os desconfiados caranguejinhos, ainda filhotes, olhavam para nós dentro de seus buracos, e a qualquer passo em falso, assustados, eles voltavam as suas “casas”. Adentrando numa trilha clandestina, nós, curiosos transeuntes, demos de cara com uma pequena aranha linda finalizando sua teia a qual nós, destruidores curiosos transeuntes, tivemos que atrapalhar e colocar o aracnídeo mais acima da árvore. Destas cenas bonitas de ver, porém constrangedoras a mim que me sentia cada vez mais destruidor e cretino, veio-me o primeiro questionamento: Quantas vidas foram destruídas para que pessoas como eu pudessem desfrutar a ecológica trilha do Cocó?

Sem me pegar muito a isto, pois ainda faltava muita trilha a se andar, continuamos a caminhada. A vegetação fechada mostrava a nós que aquele espaço não foi feito para seres grandes como os humanos. Além disto conseguíamos perceber vegetações não pertencentes àquele mangue,como um capim tipicamente urbano, que invadia uma lagoa.

A caminhada continuava e a paisagem já começava a se mesclar com os prédios construídos dentro do mangue. Numa placa colocada em um lugar estratégico para os atentos como a Clara, que encontrou dizeres louvando a natureza em contrastes com aqueles imensos prédios invasores daquele habitat.

A trilha do Cocó, na qual andávamos, pára em frente a um muro enorme de uma loja de carros e dois prédios de 20 andares, um construído e outro a ser finalizado. Na esquerda em frente ao muro, mulheres e um homem lavavam roupas e lençóis que aparentemente não pareciam deles. Isto dentro do mangue aos olhos de um P.M. que guardava o prédio já pronto que continha uma porta de acesso à trilha. Esta porta ainda estava inutilizada, pois ainda não havia segurança para ela, segundo Vicente, o porteiro do prédio. O mangue pelo jeito acabou virando o quintal ou melhor o jardim desses moradores que, após a porta começar a ser utilizada, não precisarão enfrentar a barulhenta Engenheiro Santana Júnior para entrar dentro do Cocó e fazerem sua caminhada matinal.

Logo em frente ao prédio mais vegetação invasora e um cano de PVC jorrando uma água clorificada dentro de um lago que não sei se existia antes do cano. Depois desta triste cena veio outra bem pior, um esgoto da Cagece ao lado do prédio dentro do mangue.

Ao voltarmos para a trilha fomos ao caminho da trilha para o rio Cocó. Nas margens do rio isopor, sapatos e chinelos, garrafas, plásticos e diversos outros entulhos, e sem nenhum lixeiro por perto. Os caraguejinhos estavam lá, junto ao lixo. Não sei se já falei, mas o mangue é o grande berçário para muitos seres vivos. E pensando nisto imaginei, num devaneio, milhares de caranguejos, siris e peixes entrando dentro de nossos berçários pisando em cima de nossos berços, acordando nossos recém nascidos. O que parece uma provocação infantil, nada mais do que a nossa atitude dentro daquela trilha. Até que ponto esses seres querem que nós tenhamos este contato com eles e seu habitat.Visitando-os com bicicleta, tenis, comida, enfim, o mangue é um berçário, não preciso falar mais nada.
Outra coisa percebida e de certa forma meio ridícula. A maioria das pessoas que andam dentro do mangue cumprimentam umas as outras sem mesmo se conhecerem. Uma educação forçada e fútil, pois sabemos que estas pessoas jamais nos cumprimentaram quando estivermos numa parada de ônibus ou mesmo num shopping dentro do mangue, como o Iguatemi. Após passarmos pelas mulheres e o homem que lavavam a roupa, cumprimentei-os, eles não disseram nada, logo depois um casal passou pela gente e nos cumprimentou, esperei que eles falassem com as mulheres e o homem. Passaram em silêncio como se aqueles pessoas fossem invisíveis, como a fauna e a flora destruída no mangue para o seu bel prazer.

2 Comentários

Blogger Henrique Araújo said...

Bruno, à parte os aspectos formais presentes na construção de um texto e que não foram respeitados, o texto tá muito legal, de um cinismo escroto mesmo. Todo dia sonho com a possibilidade de escrever mais ou menos assim, senso de humor fino e, ao mesmo tempo, cáustico. O tipo de cinismo do qual nossa classe média se serve todos os dias no café da manhã e, à noitinha, excreta para depois lavar a bundinha com papel cheirozinho (desculpem tanto diminutivo). Ainda bem que não fui. Acho que teria vomitado diante de tudo isso ou, sei lá, destruído o que ainda resta do mangue. Na cena, até os caranguejos parecem classe média, aquela frescura toda de se esconder quando vêem uma pessoa um pouco mais estranha... Outra coisa: o lance da educação mecânica expressa no cumprimentar forçado, e o subseqüente ignorar das pessoas que estavam trabalhando no local, dizem bem sobre o que estou falando.

Muito bom, véio. Enfim.

1:37 PM  
Blogger Thalita Castello Branco Fontenele said...

A trilha do Cocó é apenas mais um shopping vendedor de mangue morto.

Mmm, e esta parte:
"...imaginei, num devaneio, milhares de caranguejos, siris e peixes entrando dentro de nossos berçários pisando em cima de nossos berços, acordando nossos recém nascidos..."

...é a melhor.

:)

11:56 AM  

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