domingo, junho 25, 2006

Em festa de barão também se põe a mão


Por Raquel Gonçalves

- Amiga, vamos numa festa bem diferente hoje. Tem coragem de dar? 45 reais mulher, 75 homem. Open bar, tudo liberado, num hotel cinco estrelas na Beira Mar.

-É..., caramba, vou não, muito caro.

- Beleza, vou comprar nosso ingresso, te pego na tua casa umas 11 horas, beijo!

- ... ... ...


Em trajes de seda e sandálias douradas, chegamos na ‘festinha’ de barão. Na porta do hotel, o amigo da minha amiga entrega as chaves da L-200.

- O estacionamento é dez reais com manobrista. Preço único da noite.

- OK, pode levar.

Na entrada, uma recepção realmente cinco estrelas. A sandália fina mal fixava no chão de granito encerado e escorregadio. Homens engravatados e mulheres cintilantes cumprimentavam os primeiros convidados da festa e indicavam o salão real. “Just on the list”. Na porta, recebemos uma pulseira de livre acesso com o nome da festa. Pronto, aquele ícone que envolvia meu braço permitia comer, beber e usufruir do espaço até as seis horas da manhã. Champanhe, vinho, cerveja, água, refrigerante a vontade. Smirnoff e Red Label também faziam parte do cardápio. No buffet, salgados, canapés, patês, tortilhas em três espaços diferentes da festa, era só chegar e servir-se. Ops! É bom lembrar: só quem estivesse com a pulseira mágica. Afinal, um segurança em cada mesa ali estava.

Meia Noite

-Eu preferia fazer uma festa na minha casa com 75 reais. Pra vocês até que vale por 45, mas pra gente....

- Pára de reclamar, agora já ta aqui, vê se se diverte.

- É... então..vamos beber...

O espaço ainda vazio. As poucas pessoas que até então ocupavam o salão iam se amontoando em volta dos três bares. Na pista de dança, as luzes ocupavam o espaço com três ou quatro pessoas.

Verde

Batida

Branca

Câmera lenta

Azul

Bola de cores

Vista lenta

Vermelho,

Fecha os olho

Amarelo

Vibração

Álcool na cabeça

Uma e meia. Salão lotado. Mesas do buffet ainda quase que intocadas. A elite jovem cearense mostra-se super ‘educada’. Não sei quem era o mais controlado para não ter ainda ido atacar os quitutes.

As horas vão passando e as pessoas cada vez mais “felizes”. O álcool vai tomando conta. A imprensa entra em ação, não pode deixar de registrar as ‘privês’ cearenses. Vários sites registram os jovens. Mas não ao natural do divertimento de uma festa ‘open bar’ e sim, todos muito comportados, sorrindo aos flashes. A Tv União e o Must não podiam ficar de fora. Haidar e Natalia Nara também compõem o cenário.

A Dj loirinha, maquilada, estrangeira entra em cena... não sei mais que horas eram. As coisas começam a ficar mais lentas e engraçadas... acho que começo a me divertir.

Olho para o buffet, mais parecia um formigueiro. Bêbados esfomeados devoravam os quitutes da “Just on the List”. Vejam só.... não disponibilizaram talher. Lindo. Os jovens da elite cearense bêbados devorando comidinhas com as mãos num hotel cinco estrela da Beira Mar. Quanta hipocrisia...

No banheiro, conhei Valéria. Seus olhos vermelhos me chamaram atenção. Mas aqueles não eram olhos de bêbadas ou de droga alguma. Valéria estava cansada, trabalhando no banheiro feminino desde as sete da noite. Não sei, mas já devia ser umas quatro e meia da manhã. Olha que engraçado, tanta comida para o povo da pulseirinha mágica e não alimentaram os funcionários. Idéia burra, eles podiam se revoltar contra os patrões e roubar um presuntinho debaixo da blusa. Conversamos uns 30 minutos. Não lembro bem os detalhes. Eu me dirigi ao buffet, enchi meus bolsos de pães finos e tortinhas, sorri para o engravatado, e passei para o banheiro. Afinal de contas, eu tinha a pulseirinha mágica.

Volto para a pista e meus amigos já me procuravam... Cenas meio vagas na minha memória desse final sombrio.

- Vamo nessa, já ta amanhecendo...

4 Comentários

Anonymous Anônimo said...

Esse texto, a meu ver, não traz nenhuma crítica mais ácida ao que a situação exige. Eu fiquei pensando duas coisas: teria vc sóbria feito o mesmo com essa funcionária?; pelo fato de não lembrar das coisas, teria sido mesmo algo muito marcante?. No entanto, acho legal a iniciativa. Talvez esses assuntos devam aparecer mais no nosso blog. Porém, acho que devemos ser mais críticos, inclusive conosco.

10:06 PM  
Anonymous Anônimo said...

Eu como geógrafa valorizo o descrever das paisagens, mais do que isso, fazer a relação do que estamos vendo com que nós já conhecemos daquilo e então nos territorializarmos. Mas isso talvez não seja suficiente numa sociedade como a nossa... que camufla as opressões através de salários... Nossa prática ás vezes tem que ser mais incisivas em direção a que lado estamos(mais perto do opressor ou do oprimido?!).
Mas acho também que a escrita tá além da criticidade pura (colocar a opnião mais explicitamente). Com ela se pode muitas vezes, exaltar nosso estarrecimento com as coisas, e o olhar impressionado transformado em palavras nos faz recriar idéias, trás imagens, cores... sensações! Nos instiga...

10:24 PM  
Blogger Diógenes said...

Se entre o opressor e oprimido haver muito mais cumplicidade do que discenso, muito mais complemetaridade do que antagonismo? Então como ficaria o se posicionar no mundo, que posição política restaria?

3:35 PM  
Anonymous Anônimo said...

Você não quer resolver as coisas em atidudes de altruísmo e ações morais né Diógenes, em um sentido humanistico, hoje, muito esvaziado, que mais esconde do que revela.

Eu acho que o texto não tem conflito. Tem pitadas amenas de uma ironia que não satisfaz, e eu acho que a Raquel não se põe dentro disso tudo, como era o caso.

Pra mim não tem complementaria. Talvez cumplicidade das duas na manobra de despistar o segurança... Na verdade tem uma relação de opressão e um conflito de consciência que não fica explícito.

Tem muito a se discutir sobre esse texto.

10:22 PM  

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