terça-feira, junho 27, 2006

Cineasta mostra o drama dos sem-teto

Conforme havíamos dito anteriormente, o grupo TR.E.M.A. passa a publicar produções de outros meios de comunicação que levantem questões com afinidades ao nosso perfil. Na entrevista a seguir, feita por Thais Arbex Pinhata e publicada na edição de número 172 do jornal semanal Brasil de Fato, o cineasta Toni Venturi apresenta, por meio de seu ofício, uma problemática extremamente urbana: a questão da moradia e a de vários cidadãos e cidadãs que lutam por um teto. O filme Dia de Festa fala especificamente do Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo (MSTC). Aqui em Fortaleza, desconhecemos algum movimento que discuta a especulação imobiliária. Caso você conheça um grupo organizado semelhante, entre em contato conosco: grupotrema@gmail.com. Segue a entrevista:

Venturi transformou em registro histórico – e em arte – sete ocupações urbanas, em São Paulo

Thais Arbex Pinhata
de São Paulo (SP)


“A partir do momento em que a realidade foi para a tela, o Movimento saiu da luta e mostrou para a classe média o que é a vida dos excluídos”. Ivaneti de Araújo, a Neti, de 33 anos, mãe de três filhos e coordenadora geral do Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo (MSTC) conduz – ao lado de Silmara do Congo da Costa, Janaína Cristina da Silva e Ednalva Silva Franco – a narrativa do documentário Dia de Festa, co-produção Brasil-França lançada em abril. Resultado da parceria entre o arquiteto franco-argentino Pablo Georgieff e o cineasta brasileiro Toni Venturi, o documentário narra os preparativos das sete ocupações simultâneas realizadas na cidade de São Paulo no dia 1º de outubro de 2004.

Em 2003, Georgieff, pesquisador de soluções de moradia para populações de baixa renda em todo mundo, e sua companheira Samantha Longoni, uma das produtoras do documentário, estiveram no Brasil para conhecer as ações do MSTC. Foi dessa experiência que nasceu a idéia de Dia de Festa.

Para a direção do filme, Georgieff e Longoni convidaram Toni Venturi. “Aceitei imediatamente. A proposta estava totalmente alinhada com os meus interesses, com os meus filmes, com as minhas preocupações, com o estilo de cinema que eu venho desenvolvendo. Um cinema que aborda questões políticas, sociais e históricas”, diz o cineasta. Nesta entrevista ao Brasil de Fato, Venturi fala de seu filme e das injustiças sociais.

Brasil de Fato – Como o MSTC aderiu à idéia do documentário?

Toni Venturi –
Nós fizemos contato com eles, antes de começar as filmagens, em 2004. Eles aderiram de cara. Desde o princípio, deixamos evidente quais eram as nossas intenções. Houve confiança recíproca. E o resultado foi feliz para todos – tanto para o Movimento, quanto para nós.

BF – Como se deu essa relação de confiança entre a produção e os integrantes do MSTC?

Venturi –
À medida que começamos a fazer parte da realidade deles, e eles da nossa, ficamos mais “invisíveis”, e eles mais à vontade. Isso foi uma conquista do filme. E também teve a ver com o jeito com que eram feitas as filmagens: era a câmera, o som e eu; e, às vezes, era a câmera, o som e o Pablo (Georgieff). A gente tinha o mínimo necessário para conseguir alta qualidade de som e imagem. O importante era a autenticidade.

BF – Quando surgiu a idéia de ter as histórias das quatro personagens como fio condutor do documentário?

Venturi –
O Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo, assim como outros movimentos, são bastante matriarcais. As bases são as mulheres. Existiam outras coordenadoras, naturalmente, mas eu escolhi as quatro personagens – Neti, Silmara, Janaína e Ednalva – por apresentarem características, idades e jeito de ser diferentes, e para dar um aspecto mais amplo do que elas representam.

BF – Para quem assiste ao documentário, fi ca evidente que os momentos de maior tensão são os dias das ocupações.

Venturi –
Sem a menor dúvida. Mas a logística disso foi muito complexa. A gente não sabia quando, nem onde iriam acontecer as ocupações. Para que não vazasse e chegasse à polícia – eram, naturalmente, informações secretas, a não ser para alguns coordenadores do Movimento. Nós não conhecíamos também, éramos avisados, a cada dia, para nos prepararmos porque o dia se aproximava. Como nunca havíamos passado por algo parecido, nos organizamos para uma verdadeira batalha campal: compramos botas especiais, mochilas com kits básicos de sobrevivência – comida e cobertor. Em um determinado momento, é claro que o medo e a apreensão tomaram conta de todo o grupo. Ao todo, foram sete ocupações. Mas nós tínhamos quatro equipes de filmagens, por isso escolhemos acompanhar as ocupações em que estavam as nossas personagens.

BF – Como foram os confrontos com a polícia? Em algum momento a equipe do filme sofreu repressão?

Venturi –
Os confrontos foram, com certeza, os momentos mais difíceis da filmagem. Em nenhuma ocasião a polícia teve qualquer atitude de repressão em relação à equipe. Nós usávamos coletes que, mesmo sem ter nada escrito, nos identificavam como pessoas que não pertenciam ao Movimento, mas que estavam apenas registrando. Houve muito medo, muita confusão, muita correria. As balas perdidas e, mesmo as de borracha, podiam cegar. Havia também bombas de gás lacrimogêneo, de efeito moral e gás de pimenta: tudo isso apavorava.

BF – Como se davam as ocupações?

Venturi –
O MSTC ocupa prédios vazios, públicos ou privados, que estão abandonados há muitos anos, com graves problemas de impostos, por exemplo. Essa é uma estratégia para obrigar as autoridades municipais, estaduais ou federais a lidar com a questão da moradia. Esse é o objetivo das ocupações. Algumas são muito vitoriosas porque obrigam e exigem ações do poder público e, a partir de convênios com a prefeitura, com o Estado ou com a federação, o Movimento faz empréstimos, consegue comprar o edifício, reformar e transformá-lo em uma habitação digna para o morador sem-teto.

BF – As ocupações são violentas?

Venturi –
Esse processo não é nenhuma guerra em que homens atacam homens. Os sem-teto ocupam o edifício, a polícia e a tropa de choque vêm proteger a propriedade. Os sem-teto não se jogam contra a polícia e a polícia não se joga contra os semteto – a não ser que eles tentem invadir a propriedade privada. Na verdade, os policiais são povo como eles e tão pobres quanto eles, mas estão defendendo o sistema. É violento, sim, há dor, medo, a polícia tenta dispersar os sem-teto, mas é importante ressaltar que eu não vi nenhuma truculência da polícia contra o ser humano. Na Constituição brasileira consta que qualquer imóvel subtilizado ou não utilizado pode ser colocado à disposição da desapropriação porque o imóvel existe para ter uma função social. O MSTC ocupa imóveis abandonados há 15, 20 anos. Não se pode dizer que esses imóveis têm alguma função na sociedade.

BF – Dia de Festa pode ser visto como um filme-denúncia?

Venturi –
Acho que não. Ele transcende essa questão. Ele tem, obviamente, uma denúncia a respeito de uma realidade invisível, que a classe média brasileira desconhece. A idéia e a imagem que a mídia faz dos sem-teto é de que eles são um bando de desocupados, desempregados, mulambentos. Na verdade, o que existe é um enorme preconceito. O filme fala disso: do preconceito de classe. A classe média – os que tiveram oportunidades, os formadores de opinião, os que têm um teto para morar e que se alimentam três vezes ao dia – têm um enorme preconceito contra o pobre. Dia de Festa mostra os sem-teto como pessoas reais, humanos sensíveis, de valor, com honra e dignidade. O filme é mais do que uma denúncia, é uma reflexão sobre um país que tem milhares de injustiças sociais e que precisa pensar sobre isso. Todas essas questões sociais, do preconceito, do racismo, da violência têm origem na desigualdade, na pobreza, na falta de oportunidade. Enquanto o Brasil não olhar profundamente para questão social, teremos os PCCs, essa violência rompante das cidades.

BF – O documentário foi rodado em 2004 e lançado em 2006. Como foi a pós-produção?

Venturi –
O documentário foi rodado no final de 2004 e, em 2005, o finalizamos. Um documentário desse caráter, longa-metragem com uma proposta não-jornalística e mais narrativa, exige um tempo de pensamento, de tentativa e erro e de reflexão muito maior. Além disso, o lançamento demorou também por causa do financiamento. Com o documentário já na lata, a gente foi atrás de patrocinadores. Conseguimos o apoio do Fonds Sud Cinema – um programa do governo francês de incentivo ao cinema da África, da Ásia e da América Latina – e da Petrobras.

BF – Você acabou de voltar do 59º Festival de Cannes. Como o cinema brasileiro é visto pelo mundo?
Venturi –
Para ser bem sincero, o mundo não vê cinema brasileiro. E isso não é nenhuma novidade para quem faz parte do meio. Podemos dizer que estamos começando o ano 1 do cinema brasileiro, em que ele volta a ter uma ação institucional, coletiva e mais abrangente. Até então foram ações pontuais e muito individuais: O Quatrilho, quando foi indicado ao Oscar, em 1996; Central do Brasil, quando foi o vencedor do Festival de Berlim, em 1998; Cidade de Deus, quando indicado a quatro categorias do Oscar 2004. Agora se pensa em ações para levar o cinema brasileiro ao exterior. Esse trabalho, que é de médio prazo, deve surtir efeito daqui a uns cinco anos.

Quem é
Toni Venturi

Paulistano, nascido em 1955, Toni Venturi é bacharel em Cinema pela Universidade de São Paulo e em Artes Fotográficas, pela University of Ryerson, Toronto, Canadá. Em seu currículo, somam-se nove produções, das quais quatro são curtas-metragens: Under the table, de 1984; Sem fronteiras, Rio-Leningrado, de 1988; Guerras, de 1989; e 1999, de 1992. Em 1997, Venturi roda o primeiro longa – O Velho, a história de Luiz Carlos Prestes. Com o documentário recebe os prêmios de Melhor Filme Brasileiro no 2º Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade, SP/RJ, 1997; Melhor Documentário no 5º Festival de Cinema e Vídeo, Cuiabá, 1997; e Resgate Cultural e Histórico da APCA 97 (Associação Paulista de Críticos de Arte). Com o longa- metragem Latitude Zero, recebe o prêmio de melhor roteiro no 33º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, 2000; Panorama / Seleção Oficial no 51º Festival de Berlim, 2001 e melhor direção no 5º Festival de Cinema Brasileiro de Miami, 2001. Em 2004, dirige Cabra-Cega, filme de ficção sobre o Brasil dos 1970. Em 2005, o filme recebe seis prêmios no Festival de Brasília.

1 Comentários

Anonymous Anônimo said...

por favor gostaria de saber se vcs desse grupo tem o interesse de fazer um curta ou documentario dos moradores que vivem nos dutos subterraneos da cidade de sao paulo,quando falo dutos quero dizer os esgotos abaixo da superficie,011-70682388 fabiano lima

4:25 PM  

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