segunda-feira, julho 23, 2007

Prestação de contas

A gente anda sumido, longe de “casa”, dos leitores e leitoras, do carinho, do assédio, das páginas dos cadernos de cultura. São os projetos. Tem documentário e revistas sobre os terminais de ônibus – esse coletivo. Tem os individuais, sobre os quais não cabe falar. Apenas que eles, os tais projetos, coletivos e individuais, nos consomem quase todo o tempo, restando-nos apenas algumas poucas horas livres. Nas quais a gente prefere a first life e pretere a second. A vida em carne, osso e sêmen, que, além das coisas mais banais do cotidiano, inclui viagens, avaliações, reuniões de formatura, de pauta, de família e até mesmo funerais. E, como não poderiam faltar, encontros em mesas de bar. Na melhor tradição “esquerda festiva”, a gente faz, sim, reuniões nas casas mais tradicionais e também nos inferninhos.

Quero dizer com isso que o tempo anda escasso, que nos falta um tantinho de organização e que, logo mais, a qualquer momento, a coisa vai engrenar por aqui. Que os textos, prometidos para daqui a pouco, voltarão à cena, que o caldo vai engrossar e a chapa, esquentar. Do contrário...

Do contrário prometo escrever novamente declinando novas desculpas para as nossas graves e imperdoáveis faltas.

Por enquanto, o que acham de ver – no caso de alguns, rever – filmes antigos? A gente tem uma prateleira cheia deles de pé num cômodo que, de tão freqüentado, passou a ser como que uma segunda casa. publicamos nossos últimos trabalhos, muitos dos quais totalmente inéditos em nosso próprio espaço.

Pois bem. Seguem – para deleite do (a) leitor (a) e enquanto a gente permanece sumido, escondido atrás das cortinas da sala-de-estar, algumas coisinhas.

Saudações!

domingo, julho 08, 2007

Três instantâneos

Terça-feira, 14h00

Felipão e Forró Moral enche as ruas da aldeia, em Caucaia. O som vem de uma casa próxima, de alvenaria, telhado vermelho e cercada com arame farpado. Roupas colorem o varal, que cruza o quintal da casa como cordões de bandeirolas, muito comuns durante os festejos que marcam o mês de junho em todo o nordeste.

Encostadas umas às outras, cinco ou seis bicicletas. Segue, à sombra da mangueira, a roda de conversa, encontro semanal que reúne representantes das doze comunidades espalhadas no município. Discute-se muito, os índios têm, de modo geral, uma agenda política apertada. Dificilmente consegue-se espaço nela.

Distraída, a índia costura. De quando em quando, levanta a cabeça das linhas com que vai dando forma a uma manta para, no instante seguinte, voltar a enovelar-se nos próprios pensamentos.

Um cachorro, branco e magro, revira-se na areia. Parece gostar do sol. Duas crianças aproximam-se. São irmãos, foram batizados com nomes “bíblicos”: Ismael e outro. Estão nus, a barriga inchada à mostra. Têm muitas feridas nos pés e nos braços. Divertem-se sozinhos com varetas e uma tira de câmara de ar. Empunham arco e flecha de brincadeira.

Querem ser fotografados. Imagina que sim, que devem, como o cachorro magro e branco, gostar de ser fotografados. Eles sorriem, posam para fotos. Na segunda, ele pede para que empunhem, sorridentes, os arcos. Eles gostam, não o deixam ir embora. Ele vai.


Sábado, 12h00

Dois pedaços de madeira lado a lado, uma carcaça de geladeira, muitos fios, buzina. Na proa do carro, duas caixas de som presas com barbante. Cuidadoso, ele manobra o carro. Veste camisa de botão encardida, bermuda rasgada, boné do Ceará. Calça chinelo de dedo. Há pouco, despejara alguns quilos de ferro, plástico e papelão sobre o prato enferrujado da balança. Enfiou os trocados no bolso, deu marcha à ré.

Na rua, parado entre o homem e o lixo da cidade, o menino. Sem camisa, usando calção azul, pede: “Acende o farol!”

Meio-dia, a luz amarela das lâmpadas fraqueja. “Toca a buzina.” O som estridente parece animá-lo. O menino cede passagem. O homem encara-o, sem cumprimentá-lo, e vai embora.


Qualquer dia da semana, manhã, tarde ou noite

Entra, estende uma nota de dois reais, recebe o troco. Cambaleia até a poltrona, desaba. Silêncio, o veículo quase vazio. Enquanto segue viagem, as faixas intermitentes da avenida aos poucos grudadas umas às outras, numa única e dormente faixa branca, pode concentrar-se em nada, em ninguém.

Ela sobe, vem do escuro. É noite, quase nove horas, devia estar em casa, a mãe talvez desesperada, o pai quem sabe aflito. Muito criança. Doze anos, se tanto. Usa o cabelo solto, que se avoluma no alto da cabeça. Veste uma camiseta apertada, dois números abaixo do seu. Calça chinelinha de dedo. Nas canelas, uma e outra cicatriz. Carrega uma caixa colorida. Não sorri.

Na caixa, bombons, pirulitos, chiclete. Muita coisa doce.

Não queria estragar os dentes. Ignorou-a.

quarta-feira, julho 04, 2007

Saia do anonimato!


Você já teve sua história contada pelo TR.E.M.A. ou mesmo já foi um dos cidadãos do O Povo e ainda continua nesse cinzento anonimato, perdido entre essa multidão disforme, trepidando em movimentos peristálticos até ser expelido em um fim de tarde grosso intestinal? Você é dos que já tentaram de tudo para sair desse marasmo midiático e o mais que conseguem é entregar panfletos na Santos Dumont com Barão de Studart sob uma árvore de espoja com quase meio metro que lhe enfeita a cabeça feito um chifre tomado por trepadeiras? Ou mesmo o mais longe que você chegou foi carregar um daqueles bonecos carnavalescos gigantes e ficar pinotando em frente a Ortobom da Antônio Sales com a Virgílio Távora vendo sua vida derreter em pleno pico das três da tarde, enquanto os carros passam ar-condicionados e você mal pode coçar o ovo? Não desanime! Com o Curso de Recepção de Eventos e Interpretação Publicitária você dominará as técnicas mais sofisticadas em matéria de sorrisos delivery. E mais! aprenderá os diversos templates faciais para os mais famosos conceitos publicitários, incluindo o clássico "atitude". E mais! Se você for um dos 100 primeiros a ligar, você ainda leva como brinde o nosso exclusivo e elegante template facial "quero te chupar"*.

SAIA DO ANONIMATO!
Mude sua história!
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* vide foto 4: modelo de pele branca e batom vermelho.
** clique em cima da foto para ampliá-la.
*** panfleto recebido em uma tarde ensolarada na esquina entre a Rui Barbosa com Heráclito Graça.