quinta-feira, maio 25, 2006

Olá leitores e leitoras do Grupo TR.E.M.A.,


estamos há três meses no ar, embora a existência do nosso grupo date de pouco mais de seis meses. Hoje, apresentamos aqui, uma pequena avaliação e análise do material produzido por nós. Trata-se de uma autocrítica no sentido de compartilharmos um pouco das nossas perspectivas com as pessoas que vêm acompanhando o grupo.


Gostaríamos de agradecer aos leitores e às leitoras que vêm comentando nosso trabalho, esta participação vem sido encarada por nós sempre na perspectiva de estarmos integrados na construção de uma comunicação mais humana, menos opressora, na qual haja maior respeito e compreensão. O nosso maior objetivo é compactuar para a construção de uma outra sociedade.

Antes de inserirmos críticas, podemos nos elogiar rapidamente. Consideramos que nosso maior mérito esteja na capacidade de conseguir manter uma periodicidade razoável. Estamos com um intervalo médio de quatro dias entre uma publicação e outra. Internamente, estamos sempre em processo de discussão de nossas produções, analisando-as nos quesitos: linguagem, informações, angulação, contato com as situações retratadas. Isso nos faz constantemente repensarmos nossas atividades.

No entanto, quando fazemos uma rápida passagem por todos os nossos textos, podemos, sem muitos esforços, diagnosticar que nosso enfoque tem se voltado principalmente para as relações de trabalho de nossos personagens. Aparentemente, isso não se trata de um problema, pois estamos em um contexto no qual realmente somo vítimas do trabalho, responsável pelo anonimato oriundo, principalmente, da modernidade. No entanto, não podemos nos limitar a representar as relações de trabalho e sim, ao abordá-las, extrapolarmos as perspectiva a fim de defender que, dentro desse universo da produção, existem seres humanos, com experiências e narrativas interessantíssimas que inconscientemente ajudam a pensar e questionar essas amarras.

Falta-nos esse enfoque. Isso acontece, possivelmente, por dois motivos. Primeiro por uma questão mais pontual: nosso tempo é escasso. Os integrantes e a integrante do Grupo Trema possuem outras demandas do mundo do trabalho também. No entanto, a ausência de experiência e vivência da situação retratada contribui para que não possamos extrapolar os olhares acerca do que se escreve. Apesar disso, tivemos alguns textos que conseguiram minimante representar de forma mais honesta a experiência, como, por exemplo, os textos sobre o Bom Jardim, o Orçamento Participativo e a Viagem em Salvador – embora ainda estejam longe do que almejamos.

Outra questão meio problemática, principalmente na questão metodológica, é com relação às condições de nossas personagens. Estamos estabelecendo contato com realidades distintas da nossa. Isso por um lado poderia ser muito bom, pois nos permitiria dar e ter uma maior perspectiva sobre o mundo. No entanto, nesse contato, falta-nos a bendita experiência. Estamos caindo em um dos mesmos erros da mídia hegemônica: burocratizando e canalizando informações. Ou seja, nossas entrevistas, pela pressa, reproduz a mesma relação antidialógica, rotineiramente, vivida nas grandes redações. Não estabelecemos nenhum vínculo com os grupos trabalhados. Ao invés disso, deveríamos narrar experiências, ou mais, compartilharmos e construirmos em conjunto com os grupos escolhidos nossas narrativas.

Embora, haja aproximação com a mídia burguesa, é importante frisarmos, que nos diferenciamos principalmente por estarmos detectando nossas limitações temporárias e estamos dispostos a transpô-las, construindo nossas alternativas. E se cometemos os mesmos equívocos, isso acontece por fragilidade do grupo que ainda busca uma maior certeza de seus objetivos, que aos poucos, sejamos otimistas, estarão mais sólidos.

Por fim, não poderíamos deixar de enfatizar a nossa experiência com os terminais no período da madrugada. Esta talvez seja a nossa mais feliz “descoberta” e que nos permita executar e nos aproximar dos nossos projetos iniciais. Nos terminais, podemos sim, encontrar um mundo realmente anônimo e, ao mesmo tempo, cheio de narrativas, de experiências. As poucas vezes em que nos pautarmos por isso provaram esse fato. Os terminais nos permitem viver as experiências de fato, por isso, esses tipos de texto são difíceis e estiveram ausentes. Além disso, a possibilidade do dialogo é muito forte nesses espaços. Muito em breve, estaremos retornando com essas atividades, mas com uma novidade. Estaremos hospedando nossa experiência nos terminais em um novo endereço: http://www.overmundo.com.br/blogs/blog.php?blog=19

No mais, ansiamos por mais críticas ao nosso trabalho para podermos firmar um projeto participativo e transformador de valores e atitudes.


Até a próxima,


Grupo TR.E.M.A.

sexta-feira, maio 19, 2006

Meninos do Coco


Sol quente de rachar o asfalto, rostos suados sombreados pelo boné, correria entre os carros na disputa pelo próximo cliente sedento. “É nesses dias de sol que a gente vende mais água de coco no sinal”. Av. Treze de Maio com Av. Carapinima. “OOOlhaaa o coco coco coco gelado olha o coco gelado olha o coco...”

O dia amanhece e Solano começa sua rotina de trabalho engarrafando águas de coco diariamente no Montese. “Tem que ser todo dia, porque se não a água estraga”. A matéria prima é vendida pelos caminhoneiros que trazem os cocos de Paraipaba, região mais rica em coqueiros no Ceará. Cinco meninos, que logo mais estarão nas ruas da cidade, ajudam Solano no processo de engarrafamento. “A gente usa um equipamento que funciona pelo mesmo princípio do gelágua. A gente abre o coco coloca na máquina e ela já sai na temperatura adequada para o conservamento. Imediatamente colocamos nas garrafas, lacramos e colocamos no isopor com gelo.”

Por volta das nove da manhã, lá vai Solano, deixando seus funcionários e isopores nos cruzamentos da cidade. Av. Treze de Maio com Carapinima: aqui ficam dois, Edilson e Alexandre. “Em dia de sol, a gente vende mais ou menos 70 garrafinhas de água de coco. Tristeza é quando chove. Não chega nem a vender 10.” Os meninos, enquanto conversam comigo, ficam ligados no trânsito para não perder nenhum consumidor.

Meio dia! Hora de almoçar. A quentinha está incluída no contrato verbal. Solano compra os cocos dos caminhoneiros por 15 e 30 centavos, depende do tamanho do coco. Depois de engarrafá-las, passa para os meninos por 75 centavos. Edilson e Alexandre revendem por 1 real. Logo, um ganho de 25 centavos por garrafinha. Toda a negociação entre os meninos e Solano é por consignação. Se ganha, o quanto se vende. “No final do mês, se for bom de sol, chega a uns 600 reais, da pra ajudar lá em casa.”

São 10 vendedores que trabalham para Solano no momento. “Mas no verão, meses de setembro a dezembro, chega a dobrar esse número de vendedores, a saída é bem maior”. Bela Vista, Centro, São Cristóvão, Montese, Serrinha. Tem vendedor de todos os bairros. Edílson já trabalha no ponto em frente ao Shopping Benfica a 1 ano e meio. Está há três anos com Solano vendendo coco. Antes, ficava ali, em frente ao Pão de açúcar, no cruzamento da Av. Aguanambi com a Rua Soriano Albuquerque. “Mas ali começou a ficar devagar o movimento, ai eu preferi vim pra cá.”

Tem alguns lugares que a concorrência é grande e nem sempre a venda é tão tranqüila assim. “Às vezes, quando tem vendedor de outro fornecedor, tem alguns que brigam pelas vendas, mas eu mesmo nem me meto”. O magrelo Edílson, apesar do sol escaldante e torturante de duas horas da tarde, mostrava-se calmo e sereno ao conversar comigo.

Final de tarde, os meninos vão embora junto com o sol. Solano passa nos pontos de venda, recolhe o isopor e a grana. Calcula o lucro diário dos meninos do coco. De imediato, já os paga. “Trinta e cinco reais pra nós Alexandre, maravilha, o sol nos ajudou hoje”.

segunda-feira, maio 15, 2006

Maratona dos questionários

Aconteceu em 05 de maio de 2006

Dava pra ler na pasta que o professor segurava “Destaques de 2005”. Ele respeitava o convite. O cabelo estava partido, parecia um ratinho caricatural, com os dentes para fora, uma testa grande. Era um desenho animado? Provavelmente, ele comprou um sapato e uma roupa nova para aquela solenidade de grande importância, mas que não conseguia escapar do atraso. A festa era para os estudantes da escola, mas só podia começar depois que o diretor do colégio aparecesse. Enquanto o ilustre não chega, um desfile de elogios, abraços, beijos, desavenças.

Ratinho-cerimonialista: Boa Noite, senhoras e senhores. É com muito orgulho que hoje apresento esta solenidade, no qual nosso colégio tem a honra de homenagear os seus destaques de 2005, que se esforçaram ao longo do ano, estudaram e dão orgulho demais à nossa escola, fazendo acreditarmos, cada vez mais, no nosso papel enquanto educador. Antes, no entanto, de começar a dizer o nome das estrelas do ano passado, passaremos a palavra ao nosso querido diretor, que incentiva tanto atividades desse tipo.

Diretor-atrasado: Boa Noite! É com muito orgulho que o Colégio 7 de Setembro realiza todos os anos esta solenidade. Nós acreditamos que através deste momento estamos incentivando cada vez mais os nossos alunos a se destacarem nos estudos e assim estudar cada vez mais. Nossa escola tem como objetivo não apenas dar informações nem preparar os jovens para os desafios da vida. Acreditamos que a nossa principal função é a de educar nossos jovens, dando ensinamentos cristãos. Eu gostaria de pedir aos pais, que após a homenagem de seu filho não se retirassem, pois é importante que se incentive os demais destaques e inclusive sirvam de exemplo para que seu filhos continuem querendo sempre mais.

Aviso desnecessário, porque todo mundo já tinha visto no corredor o ensaio de um coquetel. Começa logo, pra gente comer. A clack mecânica funciona, mas omite as risadas e reforça as palmas. O local é sério. O momento mais esperado começa. As estrelas do saber responder questões estão ansiosas para poder subir ao palco com a mãe ou o pai, mostrar a roupa nova e, claro, receber das mãos do diretor uma medalha de honra ao mérito, podendo, inclusive, tirar fotos com aquele bondoso homem. Porra nenhuma! Eu quero mesmo é saber se eles vão dar alguma grana ou de quanto vai ser a minha bolsa de estudo. Não fala muito alto, garoto! Assim estraga a festa. E não demora muito. Vamos chamar agora, os alunos do grupo III. Cada nome era lido seguido de um mini-currículo e depois as palavras chaves. Eles vão receber uma bolsa integral. E vejam bem! Com o dedo apontando para a platéia. Muita atenção! É uma bolsa integral para o ano inteiro. Não é mesmo uma maravilha? E se tivesse passado no vestibular, saído do colégio, ganhava era uma caderneta de poupança, para os alunos investirem no seu futuro, guardando 500 contos para a festa do casamento. Agora que terminou o colégio, já dá pra pensar nisso.

E aquele grupo? O oitavo... não recebeu nada. Apenas a medalhinha no peito e o certificado. Nada de bolsa, cheque, caderneta de poupança. Olha ali, macho. Esse povo passou nos primeiros lugares, mas foi na FA7. Faculdades particulares não entram na parada das homenagens, porque não é tão concorrido... É diferente né? Tirar primeiro lugar numa federal ou passar no ITA, IME. Povo que passa também depois do 3º lugar não é destaque, né? É... digamos assim... sei lá. Só sei que não é destaque não. Ah, e só tão chamando o povo da FA7 porque enfim, né? É da Faculdade 7 de Setembro, que forma excelentes profissionais.

E apareceu animal pra tudo. Mas atenção senhoras e senhores. Vou me demorar um pouco mais nestes garotos. Eles merecem a nossa atenção. Prestem atenção. Fulano, cicrano e beltrano estudam no 7 de setembro, desde quando nasceram. Ano passado, eles terminaram o ensino fundamental. E eles conseguiram nada menos do que conseguir média geral 10,0 durante a quinta, a sexta, a sétima e a oitava série. Eu disse 10. Não foi 9,9. Foi 10. Como prêmio, eles irão receber bolsa integral durante todo o ensino médio. Vejam bem. Não é só no primeiro ano. É uma bolsa de três anos, mas é merecido. Mais uma vez, a clack é acionada, mas um ishhhhhhhhh, antecede as palmas. Podem bater palmas, eles merecem. E terminamos aqui mais uma edição de nossos destaques de 2005. Vi que estiveram presentes muitos estudantes que não foram destaques ano passado. Acho isso importante para incentivo e quem sabe, ano que vem vocês estarão aqui de novo, mas recebendo homenagens. Agora, gostaria de convidar a todos para um pequeno coquetel oferecido por nós. Muito obrigado.

Corre ligeiro, menino, porque senão não pega comida. Macho, tu é doido, tem comida que só uma porra. Eu sei lá. Quero logo é garanti o meu. E no afago e nas proximidades dos corpos por um copo ou um salgadinho, ou um copo cheio de salgadinhos. Eis que escuto a pérola:

- Puta merda, eu não consigo pegar um pãozinho. Passei esse tempo todinho nesse auditório chato e vou ter que jantar fora.

- Acho que vai mesmo, viu mamãe!

quinta-feira, maio 11, 2006

Cultivando e Cantando

"Aqui estou, mais um dia. Sob o olhar sanguinário do vigia. Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK. Metralhadora alemã ou de Israel. Estraçalha ladrão que nem papel." dispara um menino enquanto o outro toca o tambor, a batera e remixa só na boca. Começa assim a Assembléia Deliberativa do seguimento dos Jovens no Orçamento Participativo de Fortaleza.

Ramon Cavalcante
Sábado, dia 6 de maio, 14 horas - quadra do CEFET-CE

No fim das assembléias, juntamente com a do segmento de portadores de deficiência, que aconteceria* do Centro Presidente Médici, a assembléia da juventude mobilizou a maior participação entre os segmentos (mulheres, negros, idosos, portadores de deficiência e GLBT), 363 jovens cadastrados, fora as dezenas de menores de 17 anos (enquadrados no OP criança) que foram só pra assistir.

“Cada detento uma mãe, uma crença. Cada crime uma sentença. Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio, sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo. Misture bem essa química. Pronto: eis um novo detento” quando o menino termina de cantar começa a Assembléia. A galera do Lagamar, inclusive o cantor e o pitbox, veio em peso, no mínimo 100 pessoas.

Na Assembléia Preparatória de Juventude o líder comunitário do Lagamar, Dei, defendeu que só participasse da Assembléia Deliberativa quem já viesse acompanhando o processo. A proposta foi recusada pela maioria – Tá certo então, pois eu vou trazer todo mundo do Lagamar. E assim ele fez. Um terço da Assembléia era do bairro. E defenderam as suas propostas. A proposta de criar um CuCa no Lagamar foi mais votada do que a proposta de criar um CuCa em cada regional, na verdade a proposta foi a mais votada da Assembléia, ganhou mais de 250 pontos, ficando em segundo lugar a do passe livre.

As propostas foram as mais diversas: construção de pistas de skate, criação de um fundo para jovens, agenda 21, passe livre, construção de uma gibiteca, criação de um CuCa na Serrinha, CuCa no Lagamar, CuCa em todas as regionais, preparação dos profissionais da área de saúde ao atendimento de mulheres em situação de aborto, quadras poli-esportivas, programa profissionalizante para jovens ex presidiários e rátátátá... mais e mais propostas na área de cultura, esporte, saúde, meio-ambiente e nenhuma proposta foi feita na área de segurança.

A participação do Lagamar e a intervenção do Dei mostram o quanto o processo ainda está verde, o quanto a participação efetiva e consciente ainda é limitada. Mas eu não tenho como negar a alegria de ver propostas claramente elaboradas pelas pessoas que precisam, defendendo, votando e aprovando dentro de um espaço tão desacreditado como é o Estado. E faço minhas as palavras da coordenadora do Orçamento Participativo, Neiara de Morais – “Eu espero andar pela cidade no próximo ano e ver em várias placas escrito ‘Esta é uma obra feita pelo povo, através do Orçamento Participativo’”.

* Inclusive, vale dizer, a Assembléia dos portadores de deficiência não aconteceu porque, de ultima hora, a assembléia foi transferida para uma sala que tinha dois degraus.

domingo, maio 07, 2006

Dizem que existe um tal de brasil

Dizem que existe um tal de brasil
impressões forasteiras.

Pedro Rocha, Salvador, abril de 2006.


E quando se chega de mala e cuia ali na Praça da Sé, um pouco antes dos becos enviesados do Pelourinho, lá se vem de fitas na mão André, preto de andar apressado, morador da Baixa do Sapateiro, 25 anos de olhar seguro do que precisa fazer, de fala rápida e desenrolada, sotaque baiano, voz rouca, barba rala, de fitas na mão. Oferece ali para o turista que chega lembranças coloridas de salvador, de graça, e já vai amarrando no braço, enquanto desenrola o papo e dispensa outro concorrente que azucrina para levar os visitantes a algum albergue que lhe dará 10 ou 15 por centro de comissão pelo serviço. Dispensa na manha, dando confiança, “Aqui não é otário não, é nordestino, não é gringo.”


Depois que a fita tá no braço, não custa nada comprar mais umas 10 por 1 conto. E daí que não tem trocado, tira de dois... na verdade ele ia cobrar era 3, mas vai pelos dois mesmo. E vai meu primeiro dois conto da viagem, rápido e confuso. Dois reais que interou naquela hora os 16, metade André do que vai apurar no fim daquele dia.


A Solange é uma moradora de rua desengonçada, dos dentes tortos, das pontas dos dedos mal formadas, poetisa, de olho rápido, aguçado, de temperamento volátil, um tanto agressiva. Sincera demais para turistas que querem ser apenas viajantes. E daqui a pouco o que era uma conversa despretenciosa, vira meio que uma visita guiada pelo Pelorinho, até o nosso albergue.


Ali, ela brincava, acompanhava Olodum, as batucadas, antes daqui virar um centro turístico cultural, limpo, bem guardado, recheado de galerias, restaurantes, ateliês, albergues, pousadas, gringas, gringos, baianas na função de posarem para fotos. Tudo muito bonito. No meio da conversa se levanta, pega dois canudos no lixo, os trança e deles faz e me entrega um laço vermelho. Solange tem aids, fala minha namorada chorosa depois, confirmando a sensibilidade da poetisa de olhar entre-linhas.


Quando lhe vier na cabeça de entrar em um beco escuro, de bares fim de carreira, só pra ver qual é, e conhecer algo que não seja um postal, se ponha no seu lugar de classe média, turista, opressor e legitimador do que vem atrás do consumo de massa, do modelo de vida globalizado e do turismo. Talvez você evite perder 30 reais e os documentos para um cara que depois de balançar o pau no fim de uma mijada, coloca a mão dentro da camiseta e leva sua carteira.


Depois do BO, a postura é de se dar uma folga frente conflitos sociais, comer uma ótima moqueca de marisco para três pessoas por 35 reais, em um daqueles restaurantes transados do pelô. Claro que o mais barato. Outra opção para sua viagem pode ser um tira-gosto de piabas fritas, Pititingas, de pé na areia, ante o mar, na praia de Ponta de Areia, acompanhado de pimentinhas e farofa branca. 5 reais, fora o ferry boat para chegar na ilha de Itaparica e a topic até a praia. Quem sabe o grande shopping open mall Aeroclube Plaza, ou uma tarde em Itapuã, um Acarajé da Dinha...

terça-feira, maio 02, 2006

Estrada da Vida


Texto e Fotos: Raquel Gonçalves

Teresina, sete horas da manhã de uma quarta-feira. Paulo e Jorge estão prontos para mais uma jornada de trabalho pelas estradas do Brasil. O destino é Palmas, no Tocantins. Com a rota das estradas em mãos marcada no mapa, partimos. 1238km a serem percorridos até chegarmos ao destino. “Eu não conheço Palmas, mas essa estrada eu passei por ela há um ano, quando peguei a Belém-Brasília para ir à Goiás.”

Já parceiros em outras viagens, o rodízio funcionava mais ou menos de 6 em 6 horas entre os motoristas, para fechar as 26 primeiras horas de viagem: a ida. Éramos 31 estudantes, entre cearenses e piauienses, seguindo para um encontro estudantil. Paulo e Jorge se apresentam e iniciam a longa viagem. Afinal, era necessário o bom convívio, já que eles eram responsáveis pela nossa condução e estariam conosco pelos próximos seis dias. (Quatro do encontro e dois de viagem).

Esperando o tempo passar, o banco disforme e acolchoado do lado do motorista sempre me parecia um belo convite ao aconchego. Assim o fiz. Entediada já da viagem, sentei-me ao lado de Jorge e puxei um bom papo. A bela paisagem do cerrado que já surgia no sul do maranhão e a chuva forte da estrada me distraía, enquanto Paulo agora descansava em um longo sono pesado, mesmo trepidando sobre os buracos da estrada.

Viajar pelas estradas do nosso País é sempre um grande risco. Já passei por experiências terríveis. Tenho muito medo. “Eu dirijo desde 1975, moça. Nunca sofri nenhum acidente, nem presenciei nenhum assalto. Graças a Deus!” Como deve ser passar a vida na estrada, tantos dias viajando... tantas pessoas, tantas experiências... “Eu amo a minha profissão. Há mais ou menos um ano, eu estava fazendo uma revisão debaixo do ônibus e o macaco arriou. Cortei gravemente minha cabeça, mas nem isso me fez desgostar da profissão de motorista.”

Maria Oneide Bezerra Lima, sua musa. Casados há vinte anos. Filhos? “ao todo mesmo são onze espalhados pelo Brasil, tem no Pará, Maranhão, Brasília, mas minha mulher é tudo de bom, tenho dois filhos com ela e ela ainda me ajuda a criar meu caçula, que a mãe é de Oeiras, interior do Piauí.” Cada qual tem seus valores. Alguns, às vezes, meio incompreensíveis para mim. “Ou coisa boa é mulher. A gente tem que aproveitar enquanto pode. Sempre aparece umas oportunidades quando a gente viaja.” Relações amorosas: cada qual com a sua. Bem contraditória, às vezes. “Meu maior lazer é estar nos finais de semana com a minha família e tomar uma cervejinha com a minha mulher de frente para televisão. Não sou de sair para bar com os amigos e se embriagar não.”

Existe amor de todo tipo. A realidade de Oneide é algo tão distante na minha cabeça que acho difícil de imaginar eu cuidando do filho da mulher que um dia foi amante do meu marido. Mas... enfim, como diziam alguns filósofos, o amor é uma troca de favores. Em alguns casos, eu até posso enxergar dessa forma também. “A gente se dá muito bem. Às vezes a gente briga, ela me insulta, mas aí eu fico calado, porque sei que ela tem razão. Aí ela diz que eu não sirvo nem pra brigar. Aí logo a raiva passa e ficamos bem novamente.” Jorge é muito família Jorge Fonseca Lima, 51 anos. Enxerga nos sogros, os pais que ele perdeu muito cedo. A família de Oneide adora Jorge. Eles todos compõem uma família bastante harmoniosa, da forma deles.

A renda familiar é bem variável, depende muito das viagens de Jorge. Oneide trabalha no Estado. É secretária do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento de Agricultura Familiar. Há dois anos Jorge trabalha de carteira assinada para a Transferraz. “Nosso salário depende das comissões por viagem que varia entre 400 e 450 reais se forem curtas (quatro ou cinco dias). Se fizermos três viagens dessas por mês já ultrapassa o nosso salário fixo.” Três viagens de cinco dias por mês. Soma metade do mês distante da família. E a saudade? “A mulher da gente sente mais né... fica com os filhos e ela tem que ficar dizendo pro caçula: seu pai tá chegando”. Legítimo de Oneide são dois: uma moça de 19 anos que estuda enfermagem e um rapaz de 17 anos que sofre a maior pressão de Jorge. “Arruma um trabalho rapaz. Você já tá mais que na idade de trabalhar.”

Depois dos quatro dias de encontro, tomamos novamente o ônibus da Transferraz com nossos motoristas companheiros de viagem. 1238km novamente. Agora o percurso é inverso: a volta. Palmas-Teresina. A noite cai numa terça-feira última e agora Paulo anuncia: “Estamos a hora e meia de Teresina”. Alívio nos estudantes de uma viagem cansativa que chega ao fim e mais um sentimento de dever cumprido dos empregados da Transferraz.

Eu me despeço do grupo e dos responsáveis pela nossa condução. Saio daquele ônibus com a sensação de que o aprendizado se estendeu muito mais do que os espaços programados no encontro. Experiências de vida com valores tão distintos dos meus que me fizeram refletir. Chego na rodoviária de Teresina, sigo em direção à Expresso Guanabara, quem realmente me conduzirá de volta para casa. “Boa noite, por favor, passagem para Fortaleza.”